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AI quer que Haiti leve ex-presidente ao tribunal internacional

Organização de direitos humanos lança um novo relatório com acusações a Jean-Claude Baby Doc Duvalier por crimes cometidos contra a humanidade

Por Cecília Araújo
22 set 2011, 12h00
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  • “Quando tomou o poder, Baby Doc manteve a máquina estatal totalmente repressiva: os detidos continuaram a morrer nas prisões e os opositores ao governo não deixaram de ser torturados e expulsos do país.”

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    Gerardo Ducos, pesquisador responsável pelo relatório da AI

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    Quando Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, assumiu a Presidência do Haiti em 1971, tinha apenas 19 anos. E na figura do jovem governante, a população esperava ver renovada a imagem internacional do país, manchada pelo governo repressivo de seu pai, François Duvalier, o Papa Doc. Mas o que se viu foi o inexperiente chefe de estado seguir os passos de seu antecessor, mantendo a violência contra opositores, mesmo que de uma maneira menos explícita. Jean-Claude não só herdou os prisioneiros do regime de François, como também foi responsável por inúmeras prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados – até a renúncia e o exílio em 1986 (confira a cronologia do governo na linha do tempo abaixo). Ainda assim, toda essa história fazia parte do passado, até o retorno dele ao país em janeiro de 2011. Vinte e cinco anos depois do drama vivido por esses haitianos, suas memórias angustiantes foram reavivadas, e o atual governo de Michel Martelly é pressionado a tomar alguma atitude.

    Conheça o perfil de Jean-Claude Duvalier, o ‘Baby Doc’

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    Nesta quinta-feira, a Anistia Internacional (AI) denuncia que o uso sistemático e abrangente de mecanismos de tortura no governo de Baby Doc (1971-1986), constitui crimes contra a humanidade. “Durante a Presidência de Jean-Claude, não vimos cenas de repressão tão descaradas como durante o regime de François. Mas basta analisar as denúncias da época para constatar que o jovem de 19 anos não melhorou em nada a situação do país”, destaca ao site de VEJA Gerardo Ducos, pesquisador de Haiti responsável pelo relatório da ONG de direitos humanos. “Quando tomou o poder, Baby Doc manteve a máquina estatal totalmente repressiva: os detidos continuaram a morrer nas prisões e os opositores ao governo não deixaram de ser torturados e expulsos do país. Nada foi feito para mudar isso.”

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    Durante os mandatos de François e Jean-Claude Duvalier, todas as forças de repressão tinham o aval do presidente, a fim de manter a oposição sob controle. Essa institucionalização de métodos de tortura se assemelha aos utilizados no Brasil durante a ditadura (1964-1985), por meio dos “esquadrões da morte” – formados por pessoas que trabalhavam para o governo e tinham a permissão de reprimir com violência e a qualquer custo quem ia contra o regime. Dessa forma, ações legais, judiciais e administrativas nunca são efetivas, e não há punição para os responsáveis por torturas e outros crimes, como prisões arbitrárias ou julgamento. No Haiti, fazer pessoas “desaparecerem” era a estratégia mais usada. Apenas em 2007 o país finalmente validou a Convenção contra Desaparecimento Forçado. Mesmo assim, casos antigos continuam impunes.

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    A partir de 1977, as vítimas de Jean-Claude passaram a ser escolhidas a dedo: comunistas, líderes políticos, jornalistas, advogados, sindicalistas e outros opositores eram mandados para a Casernes Dessalines, o Fort Dimanche ou a Penitenciária Nacional. Além das forças armadas, o governo contava ainda com outras entidades de segurança: Corpos de Leopardo, Guarda Presidencial, Polícia Militar, Polícia Rural, Voluntários da Segurança Nacional (VSN). A nova investigação foi feita a partir de documentos da Anistia Internacional recebidos entre as décadas de 1970 e 1980. São essencialmente cartas de organizações de direitos humanos e depoimentos detalhados de refugiados do país, enviados diretamente à organização ou encontrados em trechos de reportagens de jornais da época. Eles descrevem a violência e as condições desumanas a que os prisioneiros eram submetidos, e que acabam em morte ou em “desaparecimento”.

    Cronologia – A trajetória dos Duvalier no Haiti

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    Levantamento – Javier Zuniga, conselheiro especial da Anistia Internacional, era pesquisador de Haiti durante o governo de Jean-Claude Duvalier quando recebeu informações de violações de direitos humanos. Ao visitar o Haiti, Zuniga se deu conta do terror que vivia o país. Recolheu depoimentos de vítimas e apresentou denúncias às autoridades após a renúncia de Baby Doc, mas ele não foi punido. “Essas informações foram guardadas e, agora que Baby Doc está diante das autoridades locais – detido sob a acusação de roubo dos cofres públicos -, entregues ao governo atual para que possa investigar os abusos cometidos. Esperamos que o tribunal do país reconheça sua responsabilidade”, destaca. Para a AI, por fazer parte da comunidade internacional, o governo deve investigar essas denúncias (perante à Declaração Universal de Direitos Humanos) e promover às vítimas justiça, verdade e reparação.

    Zuniga ressalta ainda que a Anistia Internacional não tem a pretensão de ter provas definitivas contra os acusados. Seu papel é reunir documentações baseadas em visitas ao país e entrega-las às autoridades responsáveis para que se sensibilizem e tomem as medidas necessárias. “As investigações ainda estão abertas. Cabe ao governo ouvir depoimentos das vítimas e outros indícios citados no relatório”, reitera Gerardo Ducos. “O governo tem obrigação não só moral como legal de investigar e acusar Jean-Claude perante a lei.” Zuniga completa: “O relatório é um bom começo para o retorno da Justiça ao Haiti”. A investigação também serviria como oportunidade para a reconstrução do estado, respeitando as leis que defendem os direitos humanos.

    Obstáculos – Desde a II Guerra, as ações cometidas por Baby Doc são reconhecidas como crimes contra a humanidade dentro Justiça internacional, mas não pela Corte Penal do Haiti. Alguns advogados insistem que o Haiti não pode julgar Jean-Claude nesse sentido devido a sua limitada lei federal. Mesmo assim, a Anistia Internacional afirma que todos os estados são legalmente obrigados a punir aqueles que cometem crimes contra a humanidade – assassinatos, torturas, desaparecimentos forçados e privação de liberdade – e extraditá-los para outro país que possa encaminhá-lo para a corte internacional. “Devido ao número, escala, gravidade e frequência dos crimes cometidos no Haiti entre 1971 e 1986, sob o governo de Jean-Claude, eles constituem crimes contra a humanidade”, afirma o novo relatório.

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    A Anistia Internacional reconhece que a distância temporal em relação ao mandato do presidente dificulta a condenação, mas não admite que isso seja usado como desculpa para não investigá-lo. “A distância atrapalha, mas o crime permanece, mesmo com o passar dos anos. Os desaparecidos forçados ainda não foram encontrados”, lembra Zuniga. Revelar a verdade e reparar as vítimas seria obrigação das autoridades haitianas perante a lei internacional. A ONG garante que há evidências suficientes para levar Baby Doc ao Tribunal Penal Internacional – o que seria um grande passo na luta global contra a impunidade. Porém, a busca pela justiça ainda parece longe de chegar ao fim, enquanto os pedidos continuam estagnados.

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