No México, grilos, formigas e gafanhotos são vendidos aos sacos, na beira da estrada, para consumo imediato. No Oriente, minhocas e besouros ornamentam pratos tradicionais. Na África se come tudo isso, e mais cupins e larvas variadas. Até no Brasil a tanajura, ou içá, uma espécie de saúva, é apreciada em diversas regiões, assada na manteiga com farinha de mandioca (o gosto, dizem, lembra pipoca). Comer insetos faz parte da cultura de várias partes do mundo, mas na maioria das grandes cidades do Ocidente as pessoas torcem o nariz para o acepipe — uma aversão que começa a ser combatida com a introdução, cada vez mais comum, de artrópodes no cardápio de restaurantes estrelados. “Insetos são um substituto nutritivo e sustentável para a carne convencional e podem desempenhar um papel cada vez maior no sistema”, prevê Peter Alexander, pesquisador de segurança alimentar na Universidade de Edimburgo, na Escócia.
Com três estrelas no Guia Michelin e alta cotação no cobiçado ranking da revista Restaurant, o Noma, de Copenhague, avisa aos interessados em seu menu degustação de outono (preço: o equivalente a 2 500 reais por pessoa): “Espere verduras e flores preservadas que colhemos no verão, junto com cogumelos, frutas vermelhas e tudo o que a floresta tem a oferecer” — aí incluídas formigas. Degustações recentes introduziram um tartar de carne levemente curado em algas marinhas, servido com azeite de aipo e salpicado de formigas-da-madeira, típicas das regiões cobertas de pinheiros. Reza a propaganda que elas dão um toque cítrico aos pratos. A criatividade se estende às sobremesas, no delicado chocolate branco artesanal recheado de larvas de abelha grelhadas e caramelizadas. “Há espaço para todo tipo de ideia e inovação, desde que o resultado final seja algo delicioso”, ensina o chef René Redzepi.
No paulistano D.O.M., do chef Alex Atala, em São Paulo, que ostenta duas estrelas no Guia Michelin, uma içá inteira — o “caviar caipira”, na definição de Monteiro Lobato — recheia uma bala de cachaça. Em outras versões criadas por Atala, a formiga já marcou presença até no tradicional aligot, da culinária francesa. No México, o Casa Oaxaca, do chef Alejandro Ruiz, listado entre os melhores da América Latina, usa e abusa do apreço nacional por bichinhos, com destaque para a tostada de insectos — gafanhotos e minhocas se misturam a rabanetes e outros legumes em um prato multicolorido. Ruiz considera que “as técnicas de preparação herdadas por gerações devem ser conservadas”, mas não recusa algum toque moderno nos pratos que cria.
Mais de 2 bilhões de pessoas em 130 países consomem insetos regularmente, até sem saber. Na Austrália, a manteiga de amendoim pode levar até 5% de fragmentos deles. Já a mexicana cochonilha compõe um corante alimentício vermelho-escuro usado em geleias, biscoitos e doces. Ainda no México, os gafanhotos, chamados de chapulines (sim, vem daí o nome do Chapolim Colorado da turma do Chaves), fazem parte de uma infinidade de pratos, dos tacos ao guacamole. Mas seu consumo mais disseminado ganhou impulso com um relatório divulgado pela FAO, a divisão de alimentação e agricultura da ONU, propondo a ingestão de insetos como substituto mais barato e mais sustentável das carnes vermelhas e brancas.
Foi nessa época que três irmãos sul-africanos inauguraram a Entomo Farms, na província de Ontário, no Canadá — hoje uma das maiores fornecedoras de insetos comestíveis da América do Norte. “Grilos contêm todos os nove aminoácidos essenciais, têm duas vezes mais proteína, quatro vezes mais vitamina B12 do que a carne vermelha, além de serem ricos em cálcio e ferro e uma fonte de fibras”, detalha, entusiasmado, Jarrod Goldin sobre o principal produto da empresa — que, segundo ele, vê a lista de clientes crescer ano a ano.
Na Europa, apesar de apenas 10,3% dos cidadãos se dizerem dispostos a trocar carnes por insetos, o mercado deve alcançar 4,6 bilhões de dólares até 2027. Consultor da Entomo Farms, Michael Von Massow, professor da escola de economia de alimentos e recursos agrícolas da canadense Universidade de Guelph, explica que insetos são um gosto adquirido. “Temos uma inclinação natural a comer o que sempre comemos”, diz. Mas, eventualmente, os paladares mudam. “Lembrem-se da quinoa e do sushi”, observa. Será que nós e os insetos chegaremos lá?
Publicado em VEJA de 23 de novembro de 2022, edição nº 2816