Até pouco tempo atrás, quem pretendia comer pistache precisava estar disposto a fazer uma verdadeira peregrinação para encontrar o ingrediente. Era necessário procurá-lo em lojas especializadas, como os empórios de produtos importados do Oriente Médio, e gastar uma pequena fortuna com um modesto pacotinho. Não raro, havia a frustração de o fruto ter a casca tão dura que era impossível de abrir. Receitas com pistache, então, eram preciosidades reservadas a restaurantes sofisticados. Os sorvetes vinham com inúmeros aditivos e tinham uma coloração vibrante, claramente artificial. Agora, contudo, a situação é bem diferente. O pistache se tornou onipresente na culinária brasileira, passando a ser usado em tortas, bolos, risotos, ovos de Páscoa, chocolates e uma enorme variedade de preparos, salgados ou doces.
A febre começou de forma discreta. De início, tratava-se de um fenômeno localizado, com a popularização de filiais de sorveterias estrangeiras em poucas capitais brasileiras, como a libanesa Bachir. Nessas casas, os gelatos eram servidos com uma camada de grãos de pistache moídos por cima. Ao mesmo tempo, outros estabelecimentos decidiram fazer a mesma coisa. Logo, docerias também investiram na fórmula, assim como restaurantes e até bares. O efeito foi a ampliação do acesso ao produto, que passou a ser importado em maiores quantidades, e mais pessoas descobriram o seu sabor marcante.
O aumento da demanda é confirmado pelos números oficiais de importação do pistache. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior, as compras internacionais no ano passado somaram 8,8 milhões de dólares, o que representou um acréscimo de 97% em relação a 2022. Para chefs de cozinha, o sucesso do fruto é explicado por sua versatilidade. “Além do sabor, o pistache oferece crocância”, afirma Renato Carioni, proprietário do Così. No restaurante italiano, um dos risotos é feito com pasta de pistache, a mesma usada na elaboração do sorvete. Trata-se de um dos carros-chefes da casa. “Além de apetitoso, é um dos mais fotografados por nossos clientes”, diz Carioni.
Os Estados Unidos respondem por 78% do pistache consumido por brasileiros. Argentina, Irã, Itália e Turquia também são grandes fornecedores, mas há diferenças entre os produtos. “O siciliano tem uma cor mais viva e o grão é mais alongado e graúdo”, diz Carioni. Por sua vez, o americano é mais arredondado e claro, enquanto o iraniano tem tamanho um pouco menor e sabor mais delicado e suave. Apesar do aumento global da demanda, a produção tem sido pressionada pelas mudanças climáticas. A Turquia viu o rendimento de suas lavouras de pistache cair 26% em 2023 devido aos eventos extremos.
Nesse cenário, é fundamental encontrar equilíbrio para não banalizar o produto, usando-o de forma inadequada. “As pessoas precisam reconhecer as características do pistache e saber fazer um bom casamento com outros ingredientes”, afirma a chef Suelen Ferrari, da rede de gelaterias Davvero. “Não dá para usar em tudo.” Ela diz que serve o sorvete de pistache há quase dez anos e, desde então, o interesse só cresceu. Em geral, os gelatos representam o primeiro contato das pessoas com o fruto, mas ele traz outras possibilidades. Não há dúvida: vale a pena saborear cada uma delas.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903