No permanente esforço para alimentar a lembrança das grandes marcas, as grifes de luxo fazem as etiquetas circularem nas passarelas de moda, nas telas de cinema, nas quadras de esportes e até nas cozinhas. A gastronomia já inspirou coleções celebradas, como as maletas Chanel de Karl Lagerfeld, transformadas em cestos de pães, em 2004, ou os exóticos vestidos de Jean Paul Gaultier “costurados” com baguetes parisienses, naquela mesma temporada. A novidade é a direção contrária — as etiquetas de peso coladas a receitas, e não há período melhor para esse tipo de casamento do que os dias de Natal.
A italiana Gucci deu as mãos ao premiado chef Massimo Bottura, e, juntos, lançaram uma edição limitada de um panetone recheado com chocolate e cereja amarena, uma espécie selvagem, menor e um pouco mais ácida do que a variedade tradicional. O produto é envolvido numa bolsa de flanela macia e empacotado em uma elegante lata cor-de-rosa assinada pela marca, com o olho símbolo do Gucci Garden. Outras companhias tomaram estrada semelhante, com doses de ousadia. O pão natalino da Dolce & Gabbana vem acompanhado de borrifador contendo o vinho de sobremesa, um perpétuo Vecchio Samperi di Sicilia, para ser usado nas fatias, antes da mordida. A confeitaria Pasticceria del Borgo, em Carmagnola, no norte da Itália, criou uma versão revestida com uma folha de ouro de 22 quilates e decorado com diamantes. Dois bilionários, um russo e um indiano, compraram os seus pelo equivalente a 1,9 milhão de reais. E os comuns dos mortais? Sonham, ao apenas comer com os olhos, e disso também é feita a esperança nesta época do ano.
Mas por que, enfim, os panetones estão no centro do palco? “Ele remete a uma comemoração importante no mundo todo, e as grandes marcas usam esse símbolo para trazer sofisticação dentro do universo natalino”, diz o especialista em mercado de luxo Amnon Armoni, coordenador do MBA da Faap em gestão estratégica de negócios. Ressalve-se que, de fato, o panetone está para a alimentação como as peças de alta-costura para a moda — ainda que as cópias vicejem por aí. Os recheios, as coberturas e os ornamentos podem variar, mas para ser considerado panetone as regras são rígidas. A massa precisa seguir um padrão regulamentado pelo governo italiano em 2005. O formato é de massa aerada de fermentação natural, base redonda e crosta crocante. A preocupação com a manutenção da qualidade e do produto tem fundamento. O panettone, com dois “t”, foi inventado em Milão e até hoje é a sobremesa mais típica da tradição milanesa, com lugar de honra nas mesas decoradas. Não há, no entanto, consenso sobre seu surgimento. Uma das lendas mais populares sobre a gênese remonta ao século XV, graças ao erro de um padeiro na elaboração de um biscoito.
Ao Brasil a receita chegou com os imigrantes italianos após a II Guerra. Os brasileiros, porém, só foram seduzidos pelo sabor perfumado da massa devido às versões enriquecidas com gotas de chocolate, o chocotone. E agora, talvez, pelas versões luxuosas — embora seja preciso, na maioria dos casos, trazê-las de fora, com bravas exceções. A “cake designer” Mariana Junqueira, de São Paulo, oferece o seu a 537 reais. Vale? Para quem já experimentou, sim.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718