Como funciona o circuito vip da gastronomia de chefs brasileiros famosos
Estrelas de restaurantes conhecidos desenvolvem projetos autorais para pequenos grupos de clientes experimentarem sabores e técnicas
Projetos autorais, assinados por chefs conhecidos — como Leo Botto, Denise Guerschman e Bel Coelho, entre outros —, alimentam uma tendência: o circuito vip da gastronomia, ainda pouco conhecido, porém bem disputado, nas maiores capitais do país. Eles oferecem um cardápio novo e criativo, em datas marcadas, e só com reservas. Tudo é exclusivo. O menu varia de pratos exóticos, caso da comida escandinava, a feijoada gourmet. Apesar dos formatos personalizados, todos oferecem a possibilidade de intensa interação com as estrelas do forno e fogão. Em dias normais, lembre-se, elas não apareceriam no salão. Aqui, em alguns casos, abrem até as portas das próprias residências para compartilhar com os clientes técnicas e conhecimentos que levaram décadas para incorporar.
O movimento cresceu com o tempo. “Quando escolhi a casa onde moro, já tinha essa ideia na cabeça”, diz o chef Leo Botto, que recebe os clientes na sua residência, no Pacaembu, em São Paulo, para almoços e jantares especiais. Discípulo de Paola Carosella, ele foi chef das casas La Frontera e Chez Oscar. Depois, veio o negócio próprio, o Boto (com um “t” só), que fechou na pandemia. O Projeto em Casa começou neste ano. Em setembro, Botto lança a Feijoada do Leo, que acontece no gramado do seu quintal. “A ideia é um almoço descontraído, com duas entradas de frutos do mar e um drinque, seguidos da feijoada para no máximo 24 pessoas”, diz.
Algumas propostas são mais restritas, caso do Apê da Lapa, feito por dois chefs, que preferem nem aparecer, para que não cresça demais. Os seguidores dessa turma sabem que é preciso ficar de olho nas redes sociais, pois as datas nem sempre são anunciadas com antecedência. A especialista em permacultura Bia Goll, por exemplo, avisou que faria um jantar-oficina, na terça-feira 8, uma semana antes. No sobradão onde mora, próximo à Avenida Paulista, batizado de Casa Botânica, ela ensinou, para oito pessoas, a fazer quatro pratos e uma sobremesa. Só depois da aula, veio a comilança. E não há dúvida: ver os chefs em ação faz parte do prazer do evento. No Recife, as reservas para a noite da massa fresca da Trattoria DaDani costumam esgotar em menos de uma semana. “Para mim, o desafio é trazer e mostrar novidades, como os origamis de massa fresca em forma de pequenos barcos”, diz a chef pernambucana Danielle Johnnei.
Pratos artesanais a esse ponto são viáveis apenas quando se trabalha a portas fechadas. Para proporcionar um menu degustação de cinco tempos, com iguarias típicas da gastronomia nórdica, a chef Denise Guerschman organiza todos os fins de semana um jantar no sábado e um almoço no domingo, com apenas dezenove pessoas, no restaurante O Escandinavo, em São Paulo. “Usamos insumos que não são fáceis de ser encontrados, que exigem preparo antecipado”, explica Denise.
Idealizadora do Clandestino, projeto descolado que oferece menu degustação de doze a quinze etapas, a chef Bel Coelho enxerga no formato a oportunidade de ter uma equipe enxuta e integrada ao processo criativo, além de zelo pela biodiversidade do que prepara. O Clandestino, que parou por um tempinho, voltará no segundo semestre dentro do Cuia Café, no térreo do Copan, edifício cartão-postal da capital paulista, de Oscar Niemeyer e Carlos Lemos. Quem ali entrar terá uma bela história de paladar para contar.
Vale, em experiências desse quilate, uma frase de Joël Robuchon, dono de 28 estrelas Michelin no currículo: “Não podemos cozinhar se não gostamos das pessoas”. Funciona ao redor da mesa, diante de um balcão, mas em tudo, na vida.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854