Como Brasil se tornou um dos poucos mercados prósperos para vinho em 2020
Enquanto Europa e outras regiões passam por crise, cada brasileiro consumiu 72% a mais de vinho no 2º trimestre, recorde na história da indústria nacional
O fechamento de bares e restaurantes, a proibição de grandes eventos como festas e casamentos e a interrupção do turismo por alguns meses por conta da pandemia de Covid-19 atingiu em cheio o comércio mundial de vinho. Em todo o mundo, a previsão é de que a demanda pela bebida caia 10,5% neste ano, apesar da reabertura gradativa em muitos países da Ásia e Europa. O Brasil, porém, parece ser a grande exceção à tendência.
Com um mercado que prospera nos últimos anos, o país atingiu um crescimento de 27,8% no volume de vinho comercializado no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Ideal Consulting. O aumento foi de 39% no vinho de mesa e 50% no vinho fino.
Em média, cada brasileiro consumiu 2,81 litros da bebida entre abril e junho (justamente o período mais restritivo da quarentena), um aumento de 72% em relação ao primeiro trimestre de 2020 e um recorde na história da indústria nacional.
“O mercado é menos dependente de restaurantes no Brasil do que na Europa e em outros países e mais de 75% da comercialização acontece no supermercado, que continuou aberto”, explica Felipe Galtaroça, CEO da Ideal Consulting, que elegeu o vinho como a bebida do brasileiro durante a pandemia. “O Brasil é um país muito cervejeiro, mas com a pandemia mais pessoas buscaram o prazer da gastronomia mais refinada e em família, que combina muito com vinho”, explica ainda o consultor.
Segundo Galtaroça, o vinho preferido dos brasileiros é o tinto, mas o rosé apresenta um grande crescimento. “O brasileiro tem um paladar mais adocicado e esses vinhos combinam com o clima”, afirma.
As vendas por e-commerce também observaram um crescimento significativo, não só no Brasil como em todo o mundo. Neste semestre as vendas pela internet representaram 12% do mercado brasileiro.
“Com mais tempo em casa, muitas pessoas também passaram a buscar lives, cursos on-line e até a encomendar degustações, o que movimenta o setor”, diz a presidente da Organização Internacional do Vinho (OIV), a brasileira Regina Vanderlinde. “Esperamos que o vinho seja mais incorporado à cultura brasileira no pós-pandemia”.
Crise do vinho
A Europa enfrenta a maior crise no setor dos últimos anos, com milhares de litros dos mais diversos e refinados vinhos empacados em prateleiras e adegas. Especialistas estimam que mais de um bilhão de litros estão sem destino em todo o continente.
Como mostrou VEJA em reportagem desta semana, a solução encontrada por Itália, Espanha e França, os maiores produtores de vinho do planeta em 2019, para tentar salvar sua produção e liberar espaço em estoque para a colheita que começa em agosto foi investir em um programa de destilação do vinho. Após ser transformado em álcool, a maior parte da preciosa bebida europeia está sendo enviada para a indústria farmacêutica e convertida em álcool em gel.
O fechamento de bares, restaurantes e a proibição de eventos como festas e casamentos atingiu em cheio o setor, assim como a paralisação do turismo por meses e o fechamento das vinículas para degustações e visitas. Ainda que trancados em suas casas, muitos tenham apelado ao álcool para combater a ansiedade e a solidão, o mercado ainda está diretamente ligado à vida social e noturna.
O CEEV (Comitê Europeu de Empresas de Vinhos) estima que, na Europa, a parada desses importantes canais de distribuição pode ter levado a uma redução de 35% no volume de vendas e resultou em mais de 50% de perda no valor de vendas.
“A principal mudança detectada, e extremamente significativa, ocorreu nos canais de distribuição do vinho”, explica Regina Vanderlinde, que afirma que apesar da redução da venda para restaurantes e grandes distribuidoras, o consumo em supermercados e mercearias aumentou em todo o mundo. “Essa boa notícia, porém, não compensa todas as perdas, pois as características intrínsecas desses canais de venda limitam a capacidade de compra de várias maneiras. Por exemplo, a oferta é normalmente bastante limitada, orientada a preços baixos e homogênea”, diz.