Durante alguns anos, enquanto o mercado das cervejas artesanais brasileiras se consolidava e amadurecia, os Estados Unidos serviram de referência e inspiração. Lá, o segmento das “craft breweries”, como são conhecidas as pequenas cervejarias, é mais forte e detém uma parcela expressiva dos consumidores. O próprio paladar brasileiro foi moldado à semelhança dos americanos, com forte preferência por IPAs amargas, bastante lupuladas. Rótulos importados eram cobiçados nas lojas especializadas. Agora, no entanto, são as cervejas brasileiras que estão conquistando espaço no mercado dos EUA.
A cervejaria santista Everbrew anunciou que vai começar a operar uma unidade própria em Clermont, na Flórida, perto das regiões dos parques temáticos. “Adquirimos tanto o prédio da Clermont Brewing Company quanto os equipamentos. Além do brewpub, teremos uma fábrica integrada com capacidade para 16 mil litros por mês”, conta Renê Santos, um dos fundadores da cervejaria. A estrutura conta espaço para música o vivo e três cozinhas integradas, além de capacidade para 250 pessoas. Por enquanto, vão manter o nome da Clermont, até fazer a transição para Everbrew, em cerca de três meses.
Segundo ele, a vontade de internacionalizar a marca é antiga, mas foi adiada por conta de outros planos. Em 2018 a cervejaria abriu um bar, em Santos, e em 2021 inaugurou sua fábrica própria e passou a produzir localmente suas receitas. Antes, era uma cervejaria “cigana”, como são conhecidas aquelas que produzem seus rótulos com parceiros. Nesse tempo, enviaram alguns lotes para fora do país. “Já exportamos nossas cervejas para Japão, China, Holanda. Mas era algo pontual, que dependia muito da taxa cambial”, diz Renê. “Nossa vontade era entrar nos Estados Unidos, mas lá é preciso ter uma produção local, senão não dá para ser competitivo”, diz Santos. Agora, com a fábrica integrada, a situação se torna vantajosa. “Teremos acesso a um mercado mais maduro, de maior poder aquisitivo”. Nos primeiros meses de operação a produção será focada em chope. No segundo semestre, vão passar a envasar latas.
A Everbrew é a mais recente a levar a cerveja artesanal brasileira aos Estados Unidos, mas não é a única. A cervejaria Japas, criada por três sócias em 2015, está produzindo seus rótulos por lá desde 2018. “Planejamos a operação e começamos em três estados, Massachusetts, Maine e Long Island. Hoje, estamos presentes em mais de 14, incluindo mercados importantes, como Nova York, Califórnia e Flórida, onde há comunidades brasileiras e japonesas”, conta Maíra Kimura, uma das fundadoras da Japas.
Segundo ela, embora o segmento artesanal americano seja bastante competitivo, elas têm uma vantagem: as receitas únicas. Desde que surgiu no cenário nacional, os rótulos da Japas ficaram famosos não apenas pelo design, mas pela adição de ingredientes asiáticos. A Wasabiru, por exemplo, é uma pale ale com wasabi. A pilsen Matsurika leva jasmin. Há outras com limão yuzu, arroz ou cereja. “No Brasil, todos sabem que somos uma marca nipo-brasileira. Nos EUA, eles ainda estranham, não conhecem tanto, mas o público geek fica interessado”, conta Kimura.
O portfólio oferecido no mercado americano é igual ao brasileiro. Há uma linha de cervejas fixas, como a IPA Kasato Maru, uma homenagem ao navio que trouxe o primeiro grupo de imigrantes do Japão ao Brasil. Além disso, há uma série de receitas sazonais, com novidades mensais. “Aproveitamos quando os produtos estão na época certa ou quando algum lançamento faz sentido”, afirma Kimura.
Fora dos Estados Unidos, a cerveja brasileira já está conquistando terreno. A Dádiva, por exemplo, vende para diversos países da Europa. E a própria Japas está inaugurando uma nova operação, em Taiwan. Lá, o portfólio será ligeiramente diferente, para atender ao novo público. “Estamos aprendendo enquanto avançamos, mas temos um estudo detalhado para entender como é o mercado e seu potencial”, diz Kimura. Com um mercado local mais maduro, a cerveja brasileira começa a conquistar novos terrenos.