Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Cada vez mais raras, as trufas sofrem com calor e seca – e preços disparam

O resultado para a temporada foi uma colheita reduzida e a dramática constatação de que o aquecimento global pode vir a decretar a extinção da iguaria

Por Caio Saad 18 dez 2022, 08h00

De aroma terroso e sabor intenso, as trufas são incensadas na gastronomia pelos traços distintos e pela raridade, que faz com que seu preço fure sem dó qualquer teto de gastos. As mais cobiçadas, como a branca da Itália e a “diamante negro” típica da região de Périgord, na França, são colhi­das no outono europeu, prestes a terminar, e o tamanho da oferta depen­de das condições climáticas. Ao contrário dos cogumelos e outros fungos que se desenvolvem na superfície da terra, as trufas crescem junto à raiz de certas árvores, como o carvalho e a aveleira, em ambiente de sombra e umidade — tudo o que a Europa não teve neste ano de calor escorchante. O resultado para a temporada foi uma colheita reduzida de fungos raquíticos, preços ainda mais estratosféricos e a dramática constatação de que o aquecimento global pode vir a decretar a extinção da iguaria.

Para desgosto dos coletores, figuras tradicionais na Itália e na França que guardam a sete chaves a localização das árvores mais propensas a abrigar trufas em suas raízes e que a cada outubro partem, acompanhados de seus cães bem treinados, para a colheita anual, as secas e ondas de calor dos últimos tempos estão impactando o bioma das úmidas florestas europeias e este ano foi especialmente devastador. Os termômetros cravaram 40 graus na Itália, 42 graus em certas áreas da França e 44 graus em Sevilha e Córdoba, na Espanha — juntos, os três países produziram 90% das trufas comestíveis do mundo em 2019. O calor escaldante e a falta de chuvas afetaram o volume de açúcar e água que os fungos retiram das raízes, e o quilo das trufas brancas bateu em 700 euros (quase 4 000 reais), 50% acima da média. “Quando as chuvas diminuem, o preço aumenta, e o ano passado já tinha sido difícil”, resumiu Mauro Carbone, chefe do Centro Nacional de Estudos de Trufas da Itália, em uma reunião com produtores. “É hora de começarmos a pensar em adiar o início da temporada de outubro para novembro, por causa das mudanças climáticas”, recomendou.

SOB AMEAÇA - Coletora de trufas e seu cão treinado: seca e calor ameaçam a produção da iguaria que o chef carioca Gomes (ao lado) viajou à Itália para comprar -
SOB AMEAÇA – Coletora de trufas e seu cão treinado: seca e calor ameaçam a produção da iguaria que o chef carioca Gomes (abaixo) viajou à Itália para comprar – (Universal Images Group/Arquivo pessoal)

Uma pesquisa da Universidade de Konstanz, da Alemanha, que analisou durante oito anos a produção das trufas de verão (menos nobres e mais abundantes) no próprio país e na Suíça, mostrou que ela é, de fato, extremamente sensível a temperaturas elevadas. Sua produção chega a cair 22% a cada grau acima da média. Em pontos onde o termômetro subiu 3 graus, as trufas sumiram completamente. “A elevação dos extremos de temperatura provavelmente reduzirá a frutificação das trufas de verão em toda a Europa Central”, prevê Brian Steidinger, pesquisador-chefe do estudo, ressaltando que as ondas de calor que se abatiam sobre a Europa uma vez a cada século agora acontecem duas vezes por década. Por causa da mudança, a coleta anual de trufa em Périgord, na França, que chegava a mais de 1 500 toneladas no século XIX, agora fica entre 10 e 50 toneladas. “Enquanto isso, a demanda não para de crescer, o que torna os preços abusivos”, diz Rogério Fasano, empresário do ramo de hotéis e restaurantes de luxo. Fasano lamenta ainda a consequente disseminação dos produtos “trufados”, como azeites, que, segundo ele, “nada têm a ver com trufas frescas”.

Continua após a publicidade

Autor de outro estudo sobre a sobrevivência das trufas na Europa, Paul Thomas, especialista em fungos da Universidade de Stirling, no Reino Unido, não vê o futuro com otimismo. “Até 2071, muitas zonas climáticas onde existem trufas vão se tornar insustentáveis. E não poderemos nem tentar irrigá-las, porque a água será escassa”, antecipa. Os co­le­to­res apontam um fator extra de preocupação acarretado pelas folhas secas no chão esturricado: é impossível caminhar em silêncio na floresta, o que facilita a localização de seus mananciais secretos pela concorrência. Mostrando que a tendência já vem de um tempinho, o chef Rafa Gomes, do carioca Tiara e do Itacoa, com endereços em Paris e na capital fluminense, viajou à região italiana de Alba em 2019, onde costuma se abastecer de trufas, trazendo uma boa e uma má notícia. Conseguiu, felizmente, comprar a quantidade de sempre. Mas pelo andar da carruagem, quem decidir comprar, pagará mais caro do que nunca.

Publicado em VEJA de 21 de dezembro de 2022, edição nº 2820

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.