Os vinhos portugueses construíram nos últimos anos uma sólida reputação. Além da enorme quantidade de castas — são cerca de 300, entre nativas e estrangeiras —, eles se tornaram conhecidos pela qualidade recorrente das safras e pelos terroirs classificados pelo mercado como de “alto pedigree”. Não à toa, Portugal possui duas regiões protegidas pela Unesco como patrimônios mundiais da humanidade: a região do Alto Douro, onde é produzido o famoso vinho do Porto, e a Ilha do Pico, no Arquipélago dos Açores, onde nascem os também admiráveis vinhos do Pico. Com 192 000 hectares de área dedicada ao cultivo de uvas para produção vinícola, Portugal é hoje um dos principais mercados vitivinicultores da Europa. No ano passado, o país produziu 6,3 milhões de hectolitros, dos quais 47% foram exportados, o que resultou na movimentação de 846 milhões de euros — o mercado interno é maior, da ordem de 1,2 bilhão de euros.
Números como esses, associados à excelência lusitana no ramo, chamaram a atenção de diversos empresários brasileiros, que passaram a investir pequenas fortunas nas quintas portuguesas, como são chamadas as fazendas produtoras. O movimento ganhou ímpeto na mesma medida que os vinhos portugueses ganharam relevância no cenário internacional. “Os empresários buscam produzir vinhos de alta qualidade, e não apenas fazer bons negócios”, diz Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, entidade que tem a missão de difundir os rótulos do país. “Eles também acabam virando embaixadores dos vinhos portugueses, o que cria uma onda positiva entre os outros produtores locais.” É um ganha-ganha para todos os lados da história.
O empresário mineiro Rubens Menin, dono da construtora MRV e da CNN Brasil, e o executivo Cristiano Gomes, integrante do conselho de administração do Banco Inter, se associaram para comprar duas vinhas na região do Douro, a Quinta da Costa de Cima e a Quinta do Sol. “Não queríamos diletantismo ou aventura”, diz Gomes, que se mudou para Lisboa a fim de conduzir os negócios da Menin Wine Company. “Tinha de ser um negócio viável.” Após investimentos de cerca de 30 milhões de euros, as quintas foram modernizadas e profissionalizadas, e outras propriedades, como a tradicional Horta Osório Wines, também no Douro, acabaram sendo compradas. Entre os vinhos lançados pela Menin Douro Estates está o Douro’s New Legacy, vendido no mercado brasileiro por cerca de 2 000 reais.
A ideia de produzir rótulos exclusivos é o que motivou o alemão-brasileiro Alberto Weisser, ex-CEO mundial do grupo Bunge, a adquirir a Herdade de Coelheiros, uma propriedade com 800 hectares no Alentejo e cuja história remonta ao século XV. Ele e a mulher, Gabriela Mascioli, queriam levar o negócio a outro patamar. Para isso, reestruturaram a quinta e contrataram enólogos profissionais, além de reduzir a produção anual de 400 000 garrafas para 60 000 e eliminar catorze marcas para ficar com apenas seis. Um dos indicativos do sucesso obtido pelo casal foi o aumento da pontuação dos vinhos na escala do renomado crítico Robert Parker, que vai de zero a 100: o tinto Tapada de Coelheiros Garrafeira, por exemplo, atingiu 93 pontos e pode ser encontrado a 1 140 reais.
Um dos pioneiros em terras portuguesas, o empresário André Esteves, sócio do BTG Pactual, está no ramo há quase uma década. Em 2012, após comprar a vinícola Argiano, em Montalcino, na região italiana da Toscana, ele entrou como sócio de um grupo de investidores na Quinta da Romaneira, que tem 412 hectares de área e mais de 3 quilômetros à beira do belíssimo Rio Douro. Apaixonado por vinhos, Esteves comprou 80% da propriedade por um valor estimado em 20 milhões de euros. Dirigida pelo britânico Christian Seely, ela possui um portfólio que inclui vinhos tintos, brancos, rosé, do Porto e até azeites. A maior parte das bebidas tem pontuação maior ou igual a 90 na escala de referência do americano Robert Parker — e a operação é lucrativa. Os vinhos continuam sendo portugueses, mas eles agora ao menos contam com um retrogosto brasileiro.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2021, edição nº 2760