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007 – Operação Skyfall

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Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 15h59 - Publicado em 31 out 2012, 15h47
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  • O Bond do tigrão.

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    Em Operação Skyfall, 007 a toda hora ouve que está velho e obsoleto. Pura provocação: este é o melhor dos filmes da série, e Daniel Craig agora é dono absoluto do personagem.

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    Meio morto de cansaço e com um tiro no ombro, James Bond salta para dentro do vagão de trem que acabou de abrir ao meio com uma escavadeira – mas, antes de partir para cima do sujeito que está perseguindo, para e dá aquela puxadinha curta no punho da camisa para alinhá-la com a manga do paletó. E assim, mais ou menos aos dez minutos de 007 – Operação Skyfall (Skyfall, Inglaterra/Estados Unidos, 2012), fica decidido: Daniel Craig é James Bond. Em cinquenta anos de história, 22 filmes (este, desde sexta-feira em cartaz, é o 23º), 13 bilhões de dólares de bilheteria e seis intérpretes, só de Sean Connery se pôde dizer isso. George Lazenby e Timothy Dalton foram Bonds ruins; Pierce Brosnan foi um bom Bond; Roger Moore foi Bond para uma facção dos fãs, mas nunca chegou a convencer o restante deles; e, em Cassino Royale, de 2006, e Quantum of Solace, de 2008, Craig fora um Bond excelente. Agora, porém, ele é tão dono do personagem quanto Connery jamais o foi, e o compreende melhor do que qualquer outro. Aí entram os múltiplos significados da ajeitada na roupa. Primeiro, Bond é um profissional consumado, e o terno é o seu uniforme de trabalho – respeito com ele. Bond desfruta o perigo e está em seu elemento natural em situações de risco – de forma que mesmo um momento extremo lhe é longo o suficiente para acomodar não só decisões estratégicas como também gestos corriqueiros. Bond jamais vai dar a um oponente a satisfação de perceber-lhe pressionado – e por isso prefacia a violência com uma demonstração de calma e arbitrariedade. E Craig nunca se divertiu tanto com Bond – e, assim, escolhe justamente o instante mais decisivo para dar uma piscadela para a plateia e lembrá-la de que nem o personagem nem o seu intérprete se levam a sério demais, e aí está sua virtude essencial.

    Não se levar a sério não significa encarar o trabalho com leviandade. Bem ao contrário: Skyfall transpira o empenho concentrado de seu impressionante plantel de talentos em destilar o apelo de Bond, despi-lo de todo o supérfluo e devolvê-lo então à cena em sua forma mais pura. Bond é dado como morto, e cogita aproveitar a deixa para retirar-se da ativa em definitivo. Uma explosão atinge o quartel-general do MI6, a Inteligência britânica. M (Judi Dench), a chefe do MI6, não estava no prédio: a intenção era que ela assistisse impotente ao atentado e às mortes que ele provoca. Bond, que tem uma relação conturbada e freudiana com essa figura materna, retorna: é preciso caçar o elusivo Silva (Javier Bardem), o responsável pelo atentado, que tem contas ainda mais tortuosamente edipianas a acertar com M.

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    Como visto em Onde os Fracos Não Têm Vez, Bardem tanto mais brilha quanto pior seu penteado – e Silva, com sua cabeleira oxigenada e escovada, é um vilão para fazer história. Antes de mais nada, porque o roteiro lapidar de John Logan joga pela janela todos aqueles tolos planos de dominação mundial e caçadas a artefatos tecnológicos: Silva é um ciberterrorista, uma criatura contemporânea que age a distância e almeja não qualquer espécie de nova ordem, mas a anarquia geral e o seu proveito particular. Depois porque, na interpretação de Bardem, tudo para Silva é pessoal. “O que diz o protocolo sobre situações inéditas como esta?”, ronrona Silva, acariciando as coxas de Bond rumo a regiões cada vez mais indiscretas. “E quem disse que esta é a primeira vez?”, devolve Bond. Um 007 em que a cantada mais erótica é de homem para homem – o mundo realmente mudou.

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    Quando Sean Connery se anunciou como “Bond, James Bond” pela primeira vez, em 007 Contra o Satânico Dr. No, o mundo acabara de entrar na era do jato e da pílula anticoncepcional e União Soviética e Estados Unidos estavam à beira do confronto nuclear com a crise dos mísseis de Cuba. No universo da ambição masculina, vivia-se uma fase heroica: grandes apostas, grandes gestos, grandes riscos. Um sujeito como Bond nunca ouviria a palavra “protocolo” – e não é por coincidência que, à parte a licença para matar, a melhor retradução do personagem clássico é hoje o Don Draper da série Mad Men. O Bond de cinco décadas adiante vive em um outro mundo, no qual M tem de prestar contas publicamente ao Parlamento e Bond precisa passar por uma versão extrema do check-up empresarial para reaver sua licença. A toda hora, alguém ameaça decretar sua obsolescência: Bond tem mais de 40, e a fila quer andar. O seu, enfim, é um mundo no qual o risco das decisões executivas é tolhido e escrutinado pelo sentimento corporativo de autopreservação mesmo quando se reconhece sua necessidade. Os homens da década de 60 adorariam ser playboys internacionais, como Bond. Os homens – e as mulheres – desta década dispõem de farto material, em Skyfall, para continuar invejando esse aspecto da vida do agente secreto. Mas têm também razões para se identificar com sua frustração profissional.

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    Nada é mais invejável, contudo, que o solene desplante de Bond para com a opinião ou as regras alheias – e Craig, no seu mais propulsivo, enche o personagem de vigor em vista da oportunidade de uma operação clandestina para eliminar Silva e salvar M. Entrar na clandestinidade, no caso, implica retornar ao básico: quando Q, agora não mais um engenheiro de jaleco mas sim um nerd petulante (Ben Whishaw), lhe entrega apenas uma arma e um pequeno transmissor de rádio, o filme ganha uma excitação ímpar: sem canetas explosivas nem outras engenhocas absurdas, Bond só pode contar com a própria inteligência e audácia, mais um pente de balas e um velho Aston Martin DB5 prateado (o mesmo de Connery, homenageado aqui de mil maneiras sutis). Há locações em Istambul, Xangai e Macau, além de um epílogo fabuloso na Escócia; mas o grosso da ação se passa em Londres, em outra manifestação bem-vinda do desejo de readquirir a essência do personagem criado pelo inglês Ian Fleming.

    Fleming, celebremente, fora ele próprio espião. Menos conhecido é o fato de que também o roteirista de Dr. No, Richard Maibaum, passara pelo cinema americano de esforço de guerra, uma divisão das Forças Armadas, e que o produtor Harry Saltzman, coproprietário da série com Albert “Cubby” Broccoli, fora do departamento de guerra psicológica. A franquia 007 começou, portanto, atiçando o público com aqueles fetiches curvilíneos da década de 60, mas seus ossos eram sólidos: o conhecimento combinado, de agentes de três procedências, sobre os meandros da espionagem. Em Skyfall, a preocupação com atualidade e verossimilhança volta a figurar entre os componentes fundamentais de um filme de James Bond. E, na direção estupenda de Sam Mendes, surge uma outra prioridade ainda: o realismo da dramaturgia.

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    Mendes, que em 2000 ganhou o Oscar por Beleza Americana, de início foi tido como uma escolha idiossincrática (Craig, que trabalhou com ele em Estrada para Perdição, ofereceu-lhe o emprego que não tinha autoridade para oferecer depois de uns drinques a mais, mas a iniciativa foi comemorada por Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, herdeiros da franquia). Mendes, porém, orquestra as cenas de ação com o deleite que só um diretor que raramente encontra chance de fazê-las poderia ter. E, sob seu comando seguro, Craig adensa o agente secreto em direções inesperadas. Fica a par e passo com os outros ótimos desempenhos (todos, na verdade, descontada a Bond girl da francesa Bérénice Marlohe, linda mas nem de longe tão envolvente quanto a Eva Green de Cassino Royale). Judi Dench, Javier Bardem, Ben Whishaw, Naomie Harris, Albert Finney e Ralph Fiennes – que passará a ter função decisiva na série daqui por diante – se excedem. No conjunto, 007 nunca pareceu ao mesmo tempo tão ele mesmo e tão novo e original. Para a MGM, que nos quatro anos desde o último filme entrou em processo de falência, viu todas as marcas sob seu domínio ficarem em situação de incerteza e teve então de se reorganizar, não poderia haver notícia mais tranquilizadora (tanto que seu astro já está com contrato assinado para mais dois filmes). Mais ainda porque, se Cassino Royale fora uma estreia explosiva para Craig, Quantum of Solace foi recebido com entusiasmo sensivelmente reduzido: rodado sem um roteiro fechado e duro no tom – Bond perdera sua amante e estava enraivecido e deprimido –, o segundo episódio de Craig deixava entrever algo do desconforto do ator com um papel que lhe conferira notoriedade além do negociável. Essa fase passou: Craig agora ama Bond, e seu amor é plenamente correspondido. Só resta à plateia, portanto, apaixonar-se por um e outro também.

    Isabela Boscov
    Publicado originalmente na revista VEJA no dia 31/10/2012
    Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
    © Abril Comunicações S.A., 2006
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