Quando aterrissou na caixa de areia do Estádio Olímpico de Atlanta, naquele fim de tarde de 29 de julho de 1996, Carl Lewis olhou para o placar eletrônico e levou as mãos à cabeça, incrédulo. O salto de oito metros e cinquenta centímetros acabava de colocá-lo, aos 35 anos, numa galeria de mitos do esporte onde, guardadas as devidas proporções e comparações, já figuravam Pelé, Muhammad Ali e Michael Jordan. Nove medalhas de ouro – sendo duas nos 100 metros e duas nos 200 metros – uma de prata e o tetracampeonato do salto em distância deixaram seu nome imbatível em debates sobre atletismo. Até surgir Usain Bolt. E pelo menos até começarem os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
No Engenhão, o jamaicano – indiscutivelmente o homem mais rápido de todos os tempos – terá a chance de igualar a marca dourada de Lewis com os nove ouros. É verdade que faltaria a prata na coleção, mas Lewis dá de ombros nesta discussão. Para a lenda americana, seu legado de transformação do esporte é insuperável. “Sou o mais influente atleta da história do atletismo, sim, eu sou. Para mim, a questão principal é essa”, diz Carl Lewis nesta entrevista ao site de Veja, durante o lançamento do estande da Nike no Boulevard Olímpico, na Praça XV.
VEJA – Para muitos, você entrou numa seleta galeria do esporte mundial ao lado de Pelé, Ali e Jordan. Você se enxerga como o maior nome da história do atletismo?
Lewis – Não sou eu quem tem que responder isso. Mas se isso é parte do meu legado, não tem como não considerar algo maravilhoso. É isso que importa para mim.
VEJA – Você acha que Bolt pode roubar esse seu posto ao conquistar nove ouros ao final desta Olimpíada?
Lewis – A história define o que é grandioso. A história é quem define as lendas. Então, vamos sentar e esperar pra ver o que a história vai dizer…
VEJA – Isso é algo que não lhe incomoda?
Lewis – Sou um homem maduro, fiz 55 anos de idade no mês passado, e daqui a três semanas serei avô. Então, sinceramente, tenho outras coisas mais importantes para me preocupar.
VEJA – Você falou de legado. Qual o legado que você deixou?
Lewis – Sou o mais influente atleta da história do atletismo, sem dúvida. Primeiro porque ajudei a profissionalizar o esporte. Depois porque lutei contra as drogas no nosso esporte. Portanto, para mim a questão principal é essa. Sou um dos mais transformadores e isso foi algo que eu sempre quis fazer. Queria mudar meu esporte, deixá-lo bem melhor. E isso eu consegui. Quando eu surgi (início dos anos 80), o atletismo era um esporte completamente amador. Ele se transformou num negócio bilionário, em que os atletas conseguem viver muito bem. E sei que contribuí para isso.
VEJA – Então este é seu maior orgulho na carreira?
Lewis – Também. Mas tenho orgulho de outras coisas que fiz. Ganhei quatro medalhas de ouro seguidas na minha prova favorita, que era o salto em distância (Los Angeles-84, Seul-88, Barcelona-92 e Atlanta-96). Tenho orgulho de ter feito o caminho inverso, saindo do campo para a pista (salto para a corrida de velocidade). E na pista ganhei duas vezes seguidas em duas provas.
VEJA – Você então acha que foi o mais completo?
Lewis – Eu era saltador. E fui o homem que não tive medo de tentar ser um atleta mais completo. as pessoas querem esquecer, mas eu era um saltador que começou a correr. A prova de 100 metros rasos era a minha segunda especialidade. A prova dos 200 metros rasos era a minha terceira. E não tenho como não ficar orgulhoso de ter sido o número 1 do mundo numa prova que era a minha terceira opção (ouro em 1984).
VEJA – Qual é a sua expectativa em relação à equipe americana nesta Olimpíada?
Lewis – Acho que os Estados Unidos tem grandes e novos atletas. Caras novas, de futuro. Acho que isso será muito bom. Mas não faço previsões, porque no esporte todos perdem e ganham. Espero que os americanos ganhem.
VEJA – Falando de doping, você achou justa a suspensão da equipe de atletismo da Rússia?
Lewis – Queremos o esporte limpo. Conheço o Sebastian Coe (presidente da Federação Internacional de Atletismo) há 30 anos. Ele é esperto e articulado, um cara que sabe comandar a entidade e a pessoa certa para fazer isso e dar esse passo corajoso adiante.