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Marcus D’Almeida, o arqueiro verde e amarelo

Número 1 do mundo no tiro com arco, ele coloca no mapa do país o esporte que tão poucos brasileiros conhecem e vive hoje pelo ouro olímpico

Por Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 abr 2024, 16h28 - Publicado em 26 abr 2024, 06h00

O arco e flecha integra o rol dos grandes inventos da humanidade por seu papel essencial para a caça na batalha pré-histórica pela sobrevivência e, mais tarde, como uma valiosa arma nas guerras. Importantes civilizações acabaram por fazer do artefato um esporte, especialmente apreciado pelos faraós egípcios e que, nas mãos da nobreza chinesa, lá pelo século XI a.C., ganharia seu caráter competitivo. Várias voltas do mundo depois, eis que a modalidade, hoje chamada de tiro com arco e alçada à categoria olímpica, desembarcou com tudo num ponto improvável do planeta — Maricá, cidade a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, mais conhecida por se situar na profícua trilha do petróleo fluminense. É lá que o carioca Marcus Vinícius D’Almeida, de 26 anos, o atual número 1 no ranking mundial, mora e obsessivamente treina com a ideia fixa de conquistar uma medalha de ouro na Olimpíada de Paris, em julho. “Meu esporte é solitário, é você com seu arco, um exercício constante de equilíbrio físico e mental mirando o pódio”, diz Marcus, a quem todos, apesar de seu 1,83 metro, se referem como Marquinhos.

No dia em que recebeu a reportagem de VEJA, ele seguia à risca um roteiro que começa às 8 e só termina às 20 horas. Tocava na caixa de som um trap, subgênero do rap, o que o ajuda no minucioso gesto de posicionar a flecha, congelar o corpo em busca da precisão e disparar em direção ao alvo 70 metros à frente. O ato, que seria repetido 300 vezes, parece quase como um balé, envolto em leveza, mas apenas o arco pesa 4,5 quilos e, no instante do tiro, a carga sobre o corpo sobe para 25. “É um esporte que alia a força bruta ao movimento fino”, explica o biomecânico Henrique Lelis, do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que conhece Marcus e ressalta sua capacidade de não se deixar abater quando erra. Foi com frieza e excessiva autocrítica que ele deu o saldo daquela manhã de treinos: de 100 tiros lançados à velocidade média de 228 quilômetros por hora, seis não atingiram a pontuação máxima. O que seria o razoável? “Uns dois tiros fora do alvo”, ele estimou, arrematando bem ao seu estilo: “Mesmo assim, é intolerável”.

Em Paris, a competição será na esplanada em frente ao Hôtel des Invalides, com seu luminoso domo dourado, onde está sepultado Napoleão Bonaparte. Marcus tem curiosidade de entrar lá (embora seu coração pulse mais pela Torre Eiffel), porém, agora nem pensar. “Não dá para tirar a cabeça das flechas, a visita vai ficar para a próxima”, esclarece ele, que já experimentou o lugar em 2023, quando levou um bronze em uma etapa da Copa do Mundo. Gosta da área, verde e rodeada de belas construções que funcionam como anteparo para o vento — um fator imprevisível com o qual nenhum atleta do arco gosta de lidar.

“Ninguém chega a número 1 do mundo sem gostar de pressão. Eu procurei isso e adoro ser a atração do show”

Em sua primeira Olimpíada, a do Rio, em 2016, o palco do duelo era o Sambódromo, e na outra, em Tóquio, um campo demasiado aberto. Encarou os Jogos cariocas com 18 anos e perdeu na largada. “Ele ficou obstinado em melhorar e ganhar uma medalha no Japão”, lembra sua noiva, a médica veterinária Bianca Rodrigues, 28 anos, também praticante do tiro com arco. Mas Marcus seria eliminado ali nas oitavas de final, resultado que contribuiu para ganhar estofo e mais controle sobre a mente. “A derrota sem uma análise é só uma derrota. Com o tempo, eu aprendi a extrair coisas dela”, conta.

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Ele tinha 12 anos e já era afeito às atividades físicas — natação, remo, capoeira —, quando a mãe, a contadora Denise Carvalho, 60 anos, soube de um programa para crianças e adolescentes no centro de treinamento da Confederação Brasileira de Tiro com Arco, recém-instalado na cidade. Marcus resolveu tentar, mesmo que isso despertasse comentários como os que ouviu Denise: “Diziam que eu estava louca e me perguntavam: ‘Seu filho vai ser índio ou o quê?’ ”. Pois aos 14 o menino ingressou como o caçula da seleção brasileira e, aos poucos, o esporte, ainda bem pouco conhecido no país, foi se fazendo mais disseminado em Maricá, onde Marcus e a mãe fundaram até um clube, o Dispara Brasil. “É tudo muito novo. Estamos aqui porque, quando não existia nem centro de treinamento no Brasil, a prefeitura local nos ofereceu terreno. A profissionalização mesmo tem uns três anos”, relata o presidente da confederação, João Cruz. São 2 000 atletas federados, mais que o dobro de 2021, mas nada que se compare à multidão de adeptos da Coreia do Sul, hoje a nação com resultados mais consistentes, onde o tiro com arco é tão cultivado quanto o futebol por aqui.

Na Olimpíada, a modalidade terá cinco torneios — para os individuais masculino e feminino (com o nome ainda em disputa) e o da dupla mista, os brasileiros já estão garantidos. Falta ver se vão conseguir emplacar as vagas por equipe. “As pessoas começaram a falar dos Jogos só agora, mas, para mim, é todo dia, é a minha vida”, enfatiza Marcus, que sente a alta pressão e diz não se incomodar. “Ninguém chega a número 1 do mundo sem gostar de pressão. Eu procurei isso e adoro ser a atração do show”, admite, sem rodeios e demonstrando destreza ao posar para a foto.

Em sua casa de três quartos, onde mora com Bianca, um é reservado para alojar uma coleção de mais de 200 medalhas e vinte troféus, tratados como joias. Avistam-se ainda referências a Paris-2024 em garrafas, canecas e um ímã de geladeira que o transportam à Cidade-Luz. Ele também tenta relaxar a mente (“faz parte”), jogando Fifa na TV e estudando teoria musical, um hobby. Meditação entra no cardápio dos preparativos. “O barulho depende do silêncio”, lê-se em uma de suas cinco tatuagens, essa no braço esquerdo. “Para ter barulho, plateia, aplauso, você precisa descobrir esse silêncio interior antes”, filosofa, e, sem tempo a perder, retorna a sua cronometrada rotina rumo a Paris.

Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890

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