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Gramado natural ou artificial? Fechamento do Maracanã alimenta o debate

Fez barulho o anúncio de que o estádio ficará fechado por pelo menos vinte dias em setembro, dados os estragos depois de tantos jogos

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 set 2023, 08h00

E lá veio a bola, de pé em pé — de Clodoaldo para Rivellino, de Rivellino para Jairzinho, de Jairzinho para Pelé e de Pelé para Carlos Alberto. Antes do chute de direita, a caminho do 4 a 1 contra a Itália que daria o tri para Brasil na Copa de 1970, a bola subiu um tantinho de nada. Um pouco acima da grama do Estádio Azteca, a redonda ficou à feição do lateral-direito, pronta para o tirambaço. Foi um capricho dos deuses, é claro. Os descrentes agradeceram ao gramado, ruinzinho, que fez a pelota levantar. Era um tempo em que valia tudo, inclusive a mãozinha inesperada do piso — que podia ajudar os atacantes, mas atrapalhar goleiros, vítimas do inefável morrinho artilheiro.

Não é mais assim, e louvar com romantismo a má qualidade do campo é tolice. Os gramados, hoje, precisam estar em ordem. Não por acaso, fez barulho o anúncio de que o Maracanã ficará fechado por pelo menos vinte dias em setembro, dados os estragos depois de tantos jogos (57 apenas em 2023, uma partida a cada quatro dias), tanta chuva e pouco sol. E deu-se o renascimento de uma discussão: o que é melhor, o gramado natural ou o gramado sintético? “A grama natural no estado da arte é preferida por dez entre dez jogadores, desde que esteja perfeita”, diz Sergio Schildt, presidente da Recoma, empresa especializada em infraestrutura esportiva, responsável por muitas das instalações sintéticas no Brasil. “Contudo, para que esteja nesse patamar de qualidade, é preciso que seja utilizada uma vez por semana apenas.” Quem trabalha com grama sabe dessa dependência do calendário. “Basta ver a qualidade dos gramados na Inglaterra”, diz o engenheiro-agrônomo Mauricio Zanon, diretor comercial da Itograss.

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A título de comparação: o Etihad Stadium, do Manchester City, o melhor time da Europa, vencedor da Champions League, recebeu 31 partidas na última temporada — quase metade do que abrigará o Maracanã. “Sem considerar os períodos de aquecimento antes das partidas”, afirma Lucas Pedroso, diretor técnico da Greenleaf, que cuidou de sete dos doze estádios da Copa de 2014, no Brasil, e de cinco dos oito no Catar, de reputação internacional. “É como se fosse um tempo a mais.”

A rigor, a disputa é econômica — e boa parte dos estádios precisa ter jogos de futebol e outros eventos para fechar as contas. Por isso, o Palmeiras decidiu por um gramado artificial no Allianz Parque, resistente ao uso exagerado. A celeuma, porém, é bizantina. Cada lado tem seus cálculos (veja no quadro) e põe os detalhes à margem. Não faz sentido, de fato, comparar um gramado natural — maltratado pela ganância, exposto à sombra das coberturas e ao exagero de times, como o Flamengo, que o molha em demasia, de modo a fazer a bola correr — com um artificial de ponta. Soa incorreto, também, opor um campo natural como os da Europa aos sintéticos de gerações anteriores, atalho para contusões. Messi desembarcou nos Estados Unidos, para jogar pelo Inter Miami, da Flórida, com essa imagem antiga na cabeça — e logo se recusou a atuar em campos sintéticos. Ele já começa a rever a decisão. Mas, insista-se — e nesse aspecto o argentino tem razão —, adoraria poder atuar sempre em tapetes lisos de grama verdadeira, uma impossibilidade em termos, factível apenas em Shangri-lá, o paraíso improvável. Estudos recentes comprovam que campos naturais e artificiais de qualidade equivalente oferecem riscos semelhantes de contusões — e seria leviano relacionar a recente lesão de Dudu, do Palmeiras, que rompeu o ligamento cruzado do joelho, na semana passada, com o chão plástico do Allianz. Contudo, no futebol americano, há trabalhos que relacionam o artificial com problemas de articulações.

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Não há, conclua-se, para desespero de quem só quer saber de preto no branco, um vencedor nítido na briga entre uns e outros. Louvar o gramado natural e dele não abrir mão é exagero, ainda que seja predominante e querido. Condenar os artificiais, sem levar em conta os avanços tecnológicos, também é bobagem — soa como aqueles que rechaçaram os CDs quando eles surgiram para engolir os discos de vinil. “A grama natural proporciona uma condição melhor de jogo porque ela rompe quando há algum atrito ou alguma desaceleração, e pode ser melhor para os atletas”, diz Sandro Orlandelli, Membro da Uefa Academy e com trabalhos em clubes como Arsenal, Manchester United, Santos e Athletico-PR. “Porém, se for muito irregular, é melhor que seja sintético, uma vez que dará a estabilidade para o jogo em todas as regiões, faça chuva ou sol.” É jogo sem ganhador, decidido pelo bom senso e, claro, pela força do dinheiro. A sensatez sugere, por exemplo, o modelo híbrido, com 90% de natureza e 10% de algum tipo de plástico. E a grama do vizinho, como manda o perfeito chavão, será sempre mais bonita.

Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857

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