Feito para a Copa: o centro urbano que brotou nas imediações de Doha
Novinha em folha, Lusail nasceu com apartamentos, lojas, hotéis e, mais importante, o estádio da partida final

Um dos pontos que chamaram a atenção na vitoriosa campanha do Catar para sediar a Copa do Mundo de 2022 foi a intenção de realizar a final do campeonato no estádio de Lusail. Detalhe: Lusail não existia — a área da cidade planejada, na época, continha apenas um punhado de casebres. Agora, faltando ainda seis meses para a Copa de novembro (o calendário foi empurrado para o fim do ano por causa do verão escaldante), tanto a cidade que surgiu do nada quanto o novíssimo estádio estão prontos. Situada na área metropolitana da capital, Doha, à qual se integra por um moderno sistema de trem e metrô, Lusail ostenta uma das maiores marinas do Golfo Pérsico, bem como shopping centers, ilhas artificiais, hotéis de luxo e todos os exageros que caracterizam as metrópoles daquele riquíssimo canto do planeta. “Nossa intenção foi colaborar com empresas locais voltadas para o futuro e criar uma comunidade capaz de oferecer uma experiência diferenciada a moradores e visitantes”, disse Essa Mohammed Ali Kaldari, diretor do fundo imobiliário que administra a região.
Desde 2010, quando foi anunciada a primeira Copa do Mundo em um país muçulmano, o pequeno emirado, uma pontinha de terra contornada pela Arábia Saudita de um lado e por água nos outros três, já gastou 6,5 bilhões de dólares na construção de oito estádios e um total de 200 bilhões de dólares em obras, aí incluída Lusail, com seus 40 quilômetros quadrados divididos em dezenove distritos, cada um com seu propósito e perfil. No Distrito do Estádio, reina soberana a estrutura arredondada, inspirada em peças de arte e artesanato do Oriente Médio, capaz de receber 80 000 pessoas — o Brasil joga lá contra a Sérvia no dia 24 de novembro. Encerrada a competição, a fachada do estádio, o maior de todos, permanecerá intacta, mas a capacidade será reduzida à metade e o espaço excedente dará lugar a uma escola, um centro comercial e uma clínica de saúde. “Esses projetos arquitetônicos arrojados seguem a tendência deste século, que é a reutilização”, explica Tatiana Fasolari, diretora da Fast Engenharia, empresa especializada em montagem de estruturas provisórias.

A nova cidade foi planejada para 200 000 habitantes fixos e vai suprir, pelo menos em parte, a necessidade de moradias para uma população que cresce rapidamente, sobretudo pelo fluxo de gente de fora: dos 2,7 milhões de habitantes, 2,3 milhões são estrangeiros. Boa parte deles, em vez de ocupar apartamentos suntuosos, se espreme em alojamentos lotados: são trabalhadores vindos sobretudo do Paquistão, Nepal e Bangladesh para tocar obras de infraestrutura, inclusive as da Copa, em condições precárias, sob seguidas denúncias de maus-tratos e trabalho semiescravo. Mas o Catar, como outros países da região, também serve de porto seguro para milionários de todo o mundo, a quem oferece vida de luxo e baixos impostos, e neste pós-pandemia tem buscado atrair profissionais de alta renda que aderiram ao trabalho remoto.
É para eles que se destina a Place Vendôme, cópia fiel do magnífico conjunto de edifícios históricos de Paris (só que climatizada para rebater a canícula do deserto), cercada de lojas caríssimas, como Dior, Valentino, Fendi e Gucci, além de cafés, fontes e shows diários de luz e som. Ainda em Lusail, a rede Hilton planeja inaugurar um resort com 3,5 quilômetros de praia particular. Já considerada um novo marco urbanístico, a Katara Towers, na forma de duas cimitarras, as espadas curvas árabes, terá hotel seis-estrelas e apartamentos. Uma ilha artificial foi arquitetada exclusivamente para os iates ancorarem.

Dono da terceira maior reserva de petróleo e gás do mundo e maior exportador de gás liquefeito, o diminuto Catar, que tem o tamanho de duas Brasílias, esmera-se em apresentar uma imagem de país mais moderno e culturalmente avançado do Golfo Pérsico, embora seja comandado por um monarca absoluto, o esforçado emir Tamim bin Hamad al-Thani — que, aos 41 anos, tem três esposas e treze filhos. As mulheres precisam cobrir o corpo e a cabeça e têm a vida controlada pelos homens da família, mas podem estudar e seguir carreira e participam da vida social e política, graças à mediação da xeica Moza, mãe do emir atual, que ficou famosa pelas roupas e pelos turbantes de grifes francesas e pela militância em prol da cultura no país. O esporte tem sido ferramenta essencial na aproximação com o Ocidente: o emir Tamim é dono do Paris Saint-Germain, de Neymar e Messi, e o GP de Fórmula 1 chegou ao país em 2021, justamente em um autódromo novinho em folha construído em Lusail. A Copa do Mundo, com seu esperado 1,2 milhão de visitantes, será a prova de fogo do país-cidade que sonha ser uma Dubai aprimorada.
Publicado em VEJA de 11 de maio de 2022, edição nº 2788
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