Em uma decisão histórica, o Tribunal de Justiça Europeu (ECJ) determinou que os regulamentos da Fifa sobre transferências de jogadores violam a lei da União Europeia. O julgamento pode desencadear uma revisão do mercado de transferências e da estrutura econômica do futebol mundial.
Em 2014, o meia francês Lassana Diarra jogava pelo Lokomotiv Moscou e se desentendeu com o seu então técnico, Leonid Kuchuk. O clube russo alegou que Diarra não estava rendendo e, por isso, merecia ter o salário reduzido. O jogador não concordou e se recusou a entrar em campo, o que resultou na rescisão de seu contrato — antes do prazo de três anos.
Na Câmara de Resolução de Disputas da Fifa, a entidade que organiza o futebol mundial decidiu em favor do clube, determinou que Diarra pagasse uma multa de 10 milhões de euros pela quebra do contrato e o baniu por 15 meses pelo rompimento unilateral do contrato. Uma ação movida pelo ex-jogador contestou as resoluções da Fifa.
Na decisão desta sexta, 4, o tribunal concluiu que os regulamentos da entidade, que responsabilizam os jogadores e seus possíveis novos clubes conjuntamente por indenização às antigas agremiações quando os contratos são rescindidos sem “justa causa” impedem a livre movimentação dos jogadores e a competição entre as equipes.
A decisão pode facilitar a rescisão de contratos e a troca de times para jogadores, possivelmente levando ao aumento da mobilidade dos atletas e alterando o equilíbrio de poder entre clubes maiores e menores. O sindicato global de jogadores, FIFPro, prevê que esta decisão “mudará o cenário do futebol profissional”.
No entanto, o tribunal reconheceu que algumas regulamentações de transferência são necessárias para manter a estabilidade do elenco e garantir competições regulares. A Fifa declarou que analisará a decisão antes de fazer mais comentários.
O ECJ destacou que as regras atuais impõem “riscos legais consideráveis, riscos financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como grandes riscos esportivos” aos jogadores e clubes envolvidos em transferências. Isso pode desencorajar transferências internacionais de jogadores e impactar a economia do esporte.
Repercussão
“Essa decisão mexe num dos pilares mais significativos do sistema de transferências e também do sistema legal da Fifa: a sanção disciplinar”, analisa Cristiano Caús, advogado especializado em direito desportivo e sócio do CCLA Advogados. “Ela é a base para impedir algumas condutas, como, por exemplo, não terminar um contrato de trabalho sem justa causa no meio de uma temporada. Entendo que toda regra tem exceção , mas uma lei não pode legislar para as exceções, portanto, no geral, a sanção disciplinar sustenta o sistema”
Segundo Caús, a sanção para um clube é o transfer ban, mas para o atleta é a suspensão. “Foi exatamente isso que essa decisão derrubou, ou seja, um atleta não poderia ser suspenso após rescindir um contrato sem justa causa e o novo clube também, de acordo com a decisão, não o seria. Isso abre um precedente que, ao meu ver, é prejudicial, já que permitiria a atletas e clubes mau intencionados driblarem os contratos vigentes e iniciarem uma nova relação sem estarem sujeitos a punições”, declarou.
Alguns analistas traçam paralelos entre esta decisão e o caso Bosman de 1995, que alterou significativamente a movimentação de jogadores dentro da UE. Se a Fifa implementar regras que facilitem a rescisão de contratos para os jogadores, isso pode desafiar o atual sistema de taxas de transferência e potencialmente beneficiar clubes mais ricos, capazes de oferecer salários mais altos.
Embora o impacto total permaneça incerto, a Fifa indicou disposição de consultar as partes interessadas para abordar as opiniões do tribunal. A decisão faz parte de um processo judicial belga em andamento, e pode levar anos até que quaisquer mudanças sistêmicas sejam implementadas.