DOHA – Hoje o mundo do futebol vive uma data triste – os dois anos da morte de Diego Armando Maradona, aos 60. A ausência do craque argentino em uma Copa do Mundo, seja como jogador, seja como treinador, seja como comentarista ou dentro do personagem que vestiu depois de pendurar as chuteiras, é uma imensa lacuna. É data que não poderia passar em branco. A convite da Conmebol, a federação sul-americana de futebol, os veteranos da conquista de 1986 e os campeões do mundo de 1978 fizeram no centro de Doha uma festa comovente – e não há como fugir da sensação a um só tempo bonita e melancólica de ver futebolistas já avançados na idade, muitos ainda em forma física, outros nem tanto, mas todos a estampar no andar e na face as glórias do passado. Estavam ali, entre outros, Fillol, Kempes e Tarantini, da turma de 1978; Pumpido, Ruggeri e Burruchaga, do grupo de 1986.
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No apogeu da cerimônia, um telão exibia o mais espetacular gol de todos os tempos – o segundo de Maradona contra a Inglaterra, pelas quartas-de-final da Copa do México. O primeiro, sabe-se desde o céu até o inferno, foi o celebrado gol com La Mano de Diós, de puro lunfardo. Mas aquele tento, depois de fazer uma fila com os ingleses, nunca houve e tampouco haverá nada igual. Em Doha, com o som ao máximo ampliado pelos alto-falantes, ouve-se a narração inigualável de Victor Hugo Morales, definitivamente impregnada à jogada de Maradona, a Pietá do canhoto de Villa Fiorito. A voz de Morales soa como o canto de um imã anunciando uma das cinco orações diárias obrigatórias do islã. Mesmo sem as imagens – embora caiba sempre vê-las e revê-las – o que diz o locutor é uma obra-prima em si de entusiasmo e patriotismo.
Assim: “Tem a bola Maradona. Dois lhe marcam. Pisa na bola Maradona. Arranca pela direita o gênio do futebol mundial. Deixa o terceiro e vai tocar para Burruchaga. Sempre Maradona! Gênio! Gênio! Gênio! Ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta… Gooool! Gooooooool! Gooooooool! Quero chorar! Deus santo, viva o futebol! Golaço! Diegol! Maradona! É para chorar perdoem-me! Maradona! Em uma corrida memorável! A maior jogada de todos os tempos! Barrilete cósmico! De que planeta você veio? Para deixar pelo caminho tantos ingleses? Para que o país seja um punho cerrado! Gritando pela Argentina! Argentina 2 x 0 Inglaterra. Diegol!”
De que planeta você veio? Pablo Enrique Arm, de 75 anos, miúdo até não mais poder, está emocionado e excitado com a oportunidade de estar próximo aos campeões. Ele vive em Israel desde 1961 e veio para o Catar durante os 30 dias de Copa – um feito em si, que merece uma outra reportagem. Mas o que lhe interessa, na véspera da partida decisiva da Argentina contra o México, na tarde de sábado, 26, é louvar os heróis de sua vida – mas sobretudo Maradona. “O 25 de novembro é um mau dia”, resume. Ela veste uma camisa alviceleste que mal lhe cabe. Pega o smartphone e mostra uma foto: é seu filho, Dror, então com 9 anos, ao lado de Maradona. A camisa do menino é a que ele leva no corpo, agora. A imagem foi flagrada numa partida da Argentina em Israel, em 31 de maio de 1994. Pablo assegura ter se aproximado do craque depois daquele jogo – ele serviu de intérprete e acompanhante naqueles dias, há 28 anos, em que os argentinos estiveram em Tel Aviv. A lembrança: “Maradona era impressionante, tudo parecia girar ao redor dele. Cantava, fazia piadas, rua, chorava, sabia ficar sério”, diz o fã. “Não seria exagero dizer, era como um Deus”.
Talvez seja um pouco exagerado, é verdade – mas não para os torcedores que o viram jogar. Não para quem viu pelo menos uma vez na vida a arrancada de 22 de junho de 1986, no Estádio Azteca, naquele 2 x 1 espetacular. E mesmo para os descrentes, a pergunta de Victor Hugo Morales é inevitável, e em castelhano soa mais adequado: de que planeta viniste?