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Commodities da bola: a Europa e os nossos jovens craques

Eles saíram das categorias de base do Brasil e embarcaram sem escalas para o futebol europeu. E hoje, já são disputados pelos clubes mais ricos do planeta

Por Giancarlo Lepiani
4 fev 2011, 21h58

Fosse um garoto promissor no futebol de hoje, Zico provavelmente não se transformaria em ídolo do Flamengo – seria assediado por Chelsea, Barcelona e Milan, e acabaria vendido a algum deles antes mesmo de virar titular absoluto da equipe rubro-negra

Diego Alves; Rafael, David Luiz, Naldo e Filipe Luís; Thiago Motta, Luiz Gustavo, Ederson e Raffael; Amauri e Hulk. Poderia ser a escalação da seleção brasileira de futebol – desses onze jogadores, oito já foram convocados, e os outros três são apontados como bons candidatos a vestir a camisa amarela. O que todos têm em comum, porém, é o tipo de trajetória que percorreram até a consagração no futebol europeu. Pegaram diferentes caminhos e fizeram diferentes escalas – pela Alemanha, Espanha, Itália, Inglaterra, França. Mas todos deixaram o Brasil muito cedo, quase no anonimato, sem deixar qualquer marca no país que mais produz craques no planeta. Alguns saíram das categorias de base e embarcaram diretamente para equipes tradicionais da Europa. Hoje, são jogadores de primeiro escalão, disputados pelos clubes mais ricos do mundo. E são também os rostos mais conhecidos da quarta geração do êxodo de jogadores brasileiros (veja quadro abaixo) em busca de dinheiro e prosperidade nos times do exterior – que, cada vez mais ricos e poderosos, travam disputas acirradas na tentativa de reforçar seus supertimes.

Quando o fenômeno das transferências de jogadores brasileiros ao exterior ganhou força, há cerca de três décadas, a Europa vinha buscar no país apenas craques feitos e consagrados, como Zico, Sócrates, Careca e Júnior. Fosse um garoto promissor no futebol de hoje, Zico provavelmente não se transformaria em ídolo do Flamengo – seria assediado por Chelsea, Barcelona e Milan, e acabaria vendido a algum deles antes mesmo de virar titular absoluto da equipe rubro-negra. Foi o que aconteceu com outro grande talento revelado no Rio de Janeiro. Franzino e habilidoso como Zico, Philippe Coutinho, hoje com 18 anos, foi formado nas categorias de base do maior rival do Flamengo, o Vasco da Gama. Subiu para a equipe principal aos 16, em 2008, e chegou a defender o Vasco em dezenove partidas. Mas já não era mais jogador do time carioca. Coutinho só vestiu a camisa do Vasco porque foi emprestado pela Inter de Milão, que gastou 4 milhões de euros para contratá-lo, ainda com 16 anos. O clube italiano permitiu que seu jovem craque ficasse no Rio só até chegar à maioridade.

Desde a estreia pela Inter, há apenas cinco meses, Coutinho transformou-se num dos destaques da equipe, atual campeã mundial de clubes. Disputa espaço com astros de primeira grandeza – como o holandês Sneijder, carrasco do Brasil e um dos craques da última Copa do Mundo – e já aparece nas convocações do técnico da seleção, Mano Menezes. Apesar da saída precoce do país, Philippe Coutinho ainda teve tempo para ganhar a admiração dos torcedores do Vasco. Não é o caso de muitos dos jovens brasileiros que fazem sucesso no futebol europeu atualmente. Colega de equipe de Coutinho, o volante Thiago Motta, de 30 anos, construiu toda a sua carreira no exterior – antes de defender a Inter, se cansou de conquistar títulos no Barcelona, passou pelo Atlético de Madri e fez uma ótima temporada no Genoa, da Itália. No Brasil, porém, Motta passou em branco – formado nas categorias de base do nanico Juventus, de São Paulo, foi direto para a Catalunha, aos 17 anos. Nascido em São Bernardo do Campo, é essencialmente um jogador europeu, não brasileiro – e seu futebol prático, dinâmico e eficaz confirma isso cada vez que ele entra em campo.

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Negócio da China – Motta foi garimpado pelos europeus no Brasil num período em que a prática ainda não era tão comum. Agora, porém, é comum um clube grande do país ter de lidar com o assédio dos empresários estrangeiros sobre suas categorias de base. Não que isso seja sempre uma dor de cabeça – para o endividado Vasco, por exemplo, os 4 milhões de euros recebidos na venda de Coutinho chegaram em ótima hora. O São Paulo, que hoje é um dos principais clubes formadores de jovens do país, investe pesado na procura por futuras estrelas. Construiu em Cotia, na região metropolitana da capital paulista, um centro de treinamentos dedicado exclusivamente aos jovens, com uma infra-estrutura até melhor que a do CT principal. Na seleção brasileira sub-20 que disputa o Sul-Americano no Peru, o astro maior é Neymar, mas quase a metade do time titular passou pelo CT são-paulino, incluindo o capitão Bruno Uvini, o volante Casemiro e os meias Oscar e Lucas – esse último, já monitorado de perto por olheiros de Chelsea e Milan.

O CT custou mais de 8 milhões de reais e o custo de manutenção anual é calculado em 4 milhões. Mas já na primeira venda de um jogador de Cotia – Breno, hoje no Bayern de Munique e convocado para o amistoso do Brasil na semana que vem contra a França, em Paris – o clube já cobriu todas essas despesas. Zagueiro técnico e versátil, Breno custou 19 milhões de dólares aos alemães. Transações desse tipo podem parecer um negócio da China, mas os clubes brasileiros não costumam ser os principais beneficiados por essa tendência. Pelo contrário: os casos mais comuns são de novatos promissores que saem do país por cifras baixas – nos padrões europeus, diga-se – e têm valorização extraordinária quando mostram seu futebol nas principais ligas do continente. O melhor exemplo disso foi dado nesta semana, na transferência multimilionária do ótimo zagueiro David Luiz, também integrante da seleção de Mano Menezes, do Benfica, de Portugal, para o Chelsea, da Inglaterra.

Paulista de Diadema, David Luiz é um talento lapidado pelo Vitória, outro clube brasileiro com tradição em revelar bons valores. Chegou aos 14 anos e subiu à equipe principal aos 18. Jogou uma temporada inteira no time baiano, mas poucos se lembram dele no país – o Vitória estava na terceira divisão do Campeonato Brasileiro. Outros clubes do país podem não ter notado seu talento, mas o Benfica estava atento ao potencial do zagueiro. Os portugueses pagaram pouco menos de 2 milhões de reais pelo atleta em 2007. Agora, venderam o brasileiro ao clube londrino do magnata Roman Abramovich pelo equivalente a 57 milhões de reais. O mais inusitado é que o Vitória vai ganhar mais com David agora do que ao vender o jogador. Como a Fifa tem uma regra para valorizar os clubes formadores de atletas, os baianos receberão uma porcentagem da transação. Ela é calculada de acordo com o tempo de permanência de cada atleta nas categorias de base. O Vitória acredita que sua fatia será de 2,1 milhões de reais.

O ‘novo Kaká’ conhece a Itália

Em entrevista a Silvio Nascimento, Lucas Piazon fala sobre sua ida ao CT da Juventus, em Turim, em janeiro

Eu e meus pais estivemos na Itália, vimos as instalações, estivemos no CT da Juventus, conversamos. Mas também posso continuar no São Paulo. Ainda não temos nada acertado. Acho que daqui algumas semanas vamos resolver. Em caso de dar tudo certo e de a transferência sair, vou para a Itália com a família toda – meu pai, minha mãe e minha irmã. Mas isso só vai rolar no ano que vem, quando eu completo 18 anos. Desde pequeno nunca tive um time especial que quisesse jogar. Minha família toda é são-paulina, com exceção da minha mãe, que é do Paraná. Meu avô é torcedor tricolor doente. Pelo que vi na Itália, eles jogam com duas linhas de quatro na defesa e no meio e dois atacantes. Acho que eu poderia jogar na segunda linha de quatro ou ainda como um segundo atacante. Não teria problema. Acho que seria fácil. Vi um treinamento às vésperas de uma partida contra a Roma. Foi um treino leve: só meio campo, dois toques. O que eles dizem é que os treinos na itália ocorrem com menor frequência, mas com maior intensidade. Vamos ver…

Estreia na Europa – O maior valor já recebido no país graças à regra do clube formador é de 7,2 milhões de reais, montante destinado ao São Paulo na transferência de Kaká do Milan para o Real Madrid – a terceira maior da história do futebol -, por 180 milhões de reais, em 2009. O camisa 10 do Brasil na última Copa do Mundo defendeu as cores de seu primeiro time por quase três anos. Seu sucessor, porém, tem tudo para estrear como profissional vestindo outra camisa, muito longe do Morumbi. Outra joia formada em Cotia, o paranaense Lucas Piazon, que acaba de completar 17 anos, é conhecido na Europa como “o novo Kaká” – pela posição em campo, pelo talento com a bola e pela semelhança física, que deverá render a ele um batalhão de fãs apaixonadas em qualquer lugar onde decida jogar. Apesar de estar no São Paulo há três anos, Lucas deve começar sua carreira num dos gigantes do futebol europeu. É possível que jamais entre em campo com a camisa tricolor. Acredita-se que ele será vendido ainda no primeiro semestre.

Na corrida para conseguir atrair Lucas, Milan, Chelsea e Inter são candidatos respeitáveis, mas a Juventus saiu na frente. No mês passado, o garoto foi conhecer a sede do clube (leia seu relato ao lado). A imprensa esportiva italiana tratou sua visita com estardalhaço, anunciando Lucas como o próximo ídolo da tradicionalíssima equipe de Turim. A proposta seria de 6 milhões de euros, ou 13,5 milhões de reais – o suficiente para pagar as contas do CT são-paulino em Cotia por três anos e meio, mas apenas um décimo do que o Chelsea pagou nesta semana pelo espanhol Fernando Torres, que já tem 26 anos e foi reserva de sua seleção na Copa. Vender Lucas Piazon agora é uma boa para o São Paulo? Talvez. Retorno seguro para o investimento nas categorias de base, negociar as jovens promessas é uma forma de fechar as contas e garantir algum lucro. Mas torna o futebol do país muito mais pobre – não nos cofres dos clubes, mas certamente na ausência de novos craques na galeria de ídolos do torcedor brasileiro.

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Quadro: exportação de craques
Quadro: exportação de craques (VEJA)
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