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As lições (e os alertas) do novo Wembley para o Maracanã

Enquanto o Rio torrava dinheiro com reformas malfeitas, Londres derrubou seu estádio e ergueu a melhor arena do mundo - mas fora do prazo e do orçamento

Por Giancarlo Lepiani, de Londres
17 Maio 2011, 12h25

Na Inglaterra, o fato de o novo Wembley ter saído do prazo e do orçamento foi considerado uma vergonha nacional – mesmo com pouco dinheiro público na obra

Se no século passado o futebol virou quase uma religião, Maracanã e Wembley transformaram-se em templos sagrados. Dezenas de milhões de torcedores fizeram a peregrinação às suas arquibancadas – no Rio de Janeiro, durante sessenta anos; em Londres, por quase oitenta. Na entrada do novo século, foi preciso renovar as duas catedrais do esporte. E foi aí que os estádios mais famosos do planeta tomaram rumos diferentes. Os brasileiros decidiram reabilitar o Maracanã com uma série de profundas reformas – a mais radical delas, atualmente em curso, para deixá-lo pronto para a Copa do Mundo de 2014. Os ingleses, conhecidos pelo apego às tradições, surpreenderam: reduziram Wembley a pó e construíram uma novíssima arena multiuso no mesmo lugar onde ficava o antigo estádio. Concluído em 2007, o novo Wembley talvez seja o melhor estádio do mundo. E o projeto já serve de lição para o Maracanã do futuro – tanto nos acertos quanto nos erros.

A própria decisão de resolver o problema de uma só vez, evitando desperdiçar dinheiro com reformas parciais, pode ser vista como boa lição dos ingleses. Não foi fácil convencer a população de que era necessário colocar o velho estádio no chão. Uma vez reconstruído, porém, Wembley ficou pronto para mais algumas boas décadas de uso ininterrupto. É difícil imaginar que seja necessário fazer qualquer tipo de obra ali por pelo menos meio século. A construção é robusta o bastante para suportar a passagem do tempo, e o projeto é versátil o suficiente para permitir a adaptação do estádio a diversos tipos de uso. Todo o anel inferior, por exemplo, pode ter suas cadeiras retiradas, ampliando o espaço disponível para montar pistas de corrida e palcos para shows. O Rio não tem essa perspectiva, pelo menos por enquanto – o que permite prever que outras obras de adaptação podem ser necessárias no futuro (como para a Olimpíada de 2016).

Foi justamente essa falta de planejamento a longo prazo que transformou o Maracanã num buraco negro de dinheiro público nos últimos anos. Na primeira série de reformas, nos anos 1990, as mudanças foram apenas superficiais. Em 1999, pouco antes da primeira edição do Mundial de Clubes da Fifa, o estádio recebeu obras mais extensas, ao custo de 100 milhões de reais. Mas elas não foram suficientes para deixar o Maracanã para os Jogos Pan-Americanos de 2007, quando um investimento de mais de 200 milhões de reais fez a primeira grande transformação no estádio. Ou seja: quando o Rio de Janeiro anuncia gastos de pelo menos 966 milhões de reais nas obras para a Copa do Mundo de 2014, deve-se lembrar dos outros 300 milhões já consumidos num intervalo de pouco mais de dez anos. O valor total gasto no Rio, quase 1,3 bilhão de reais, ainda é inferior ao custo do novo Wembley, equivalente a 2,1 bilhão de reais. Londres tem o estádio mais caro do planeta.

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Ainda assim, a comparação entre os investimentos nos dois estádios é alarmante. O preço de Wembley é final, e inclui gastos em infraestrutura nos arredores, compra definitiva do terreno, um fundo de contingência e a demolição completa do estádio antigo. Contando apenas a construção, os custos do projeto e juros, Wembley soma 517 milhões de libras – ou 1,37 bilhão de reais, valor similar, portanto, ao que está custando a interminável série de reformas no Maracanã. E isso sem contar a chance de novas revisões no orçamento – em caso de atrasos ou imprevistos nas obras, a despesa com o Maracanã pode dar um outro salto – e a enorme diferença nos custos de produção no Rio e em Londres, uma das cidades mais caras do mundo, onde desde os materiais até a força de trabalho consomem muito mais dinheiro. O melhor de tudo é que Wembley é uma parceria público-privada – e a verba pública corresponde a só uma pequena parcela do investimento.

O que copiar dos ingleses

O uso de pouca verba pública no projeto: foram só 41 milhões de libras de um total de 798 milhões de libras

A qualidade do projeto: sem luxos ou excessos, mas prático, confortável, durável e sustentável, como espera-se hoje

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A diversificação das receitas: Wembley tem quatro restaurantes, estrutura para shows, uma loja, visitas turísticas…

O que não repetir no Rio

O atraso nas obras. Se estourar o prazo como Wembley, o Maracanã não poderá receber a Copa do Mundo de 2014

A destruição de todos os vestígios do antigo estádio – só sobraram dois painéis da Olimpíada de Londres, em 1948

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A baixa frequência de uso: apenas jogos da seleção, finais de torneios e eventos especiais são realizados no estádio

Atraso e prejuízo – Mesmo a pontualidade britânica e o preço salgado da empreitada não garantiram a entrega de Wembley no prazo. Da demolição à inauguração, foram cinco anos, um a mais que o previsto. Primeiro, a destruição das arquibancadas demorou a engrenar. Depois, no decorrer das obras, alguns acidentes e uma reforma no sistema de esgoto sob o estádio atrapalharam o cumprimento do cronograma. Mas se a repetição desses problemas no Maracanã deve significar uma nova remessa de dinheiro público ao projeto, em Wembley o prejuízo ficou com a empreiteira australiana Brookfield Multiplex, responsável pela obra. Hoje, o estádio é de propriedade de uma subsidiária da Federação Inglesa, criada para cuidar exclusivamente da administração do estádio. No Maracanã, fala-se no uso do modelo de concessão, mas ninguém sabe ao certo como (ou por quem) o estádio será gerenciado depois que a Copa terminar, já no segundo semestre de 2014.

Por coincidência, será justamente em 2014 que o novo Wembley deverá começar a dar lucro – por enquanto, os juros dos empréstimos que bancaram a obra e a quitação dos valores investidos na construção superam as gordas receitas provenientes de jogos e shows realizados no estádio. No Maracanã, espera-se de que um clube ou empresa assuma a administração, arcando com os pesadíssimos custos de manutenção de um estádio tão grande. Mesmo assim será um negócio da China: quem ficar com o Maracanã ganhará a chance de explorar o estádio sem precisar se preocupar com a montanha de contas a pagar pela obra. Na Inglaterra, o fato de o novo Wembley ter saído do prazo e do orçamento foi considerado uma vergonha nacional, principalmente por tratar-se de um patrimônio importante do país, o palco de sua maior vitória no esporte, a Copa de 1966. É difícil dizer como os ingleses teriam reagido se o fiasco tivesse sido pago por dinheiro público.

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  • Antes das obras
  • Custo
  • Depois das obras

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Como eram antes

  • Construído em 1950, o Maracanã tinha capacidade para 150.000 pessoas até os anos 1980. Com a instalação de cadeiras em todo o estádio, o limite de público oficial caiu para 82.000 pessoas. Recebeu a final da Copa de 1950.

  • Erguido em 1923, Wembley era originalmente conhecido como Empire Stadium. Recebia até 127.000 torcedores até os anos 1980. Com a instalação de assentos, caiu para 82.000 pessoas. Foi o palco da final da Copa de 1966.

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Reformas bilionárias

  • Reformado em 1999 e 2006, o Maracanã fechou de novo em 2010, para as obras da Copa. Somadas, as reformas deverão passar de 1,3 bilhão de reais.

  • Demolido em 2003, Wembley deu lugar a um estádio totalmente novo, construído por 798 milhões de libras – um valor equivalente a 2,1 bilhão de reais.

Os novos estádios

  • O novo Maracanã terá 80.000 lugares, todos cobertos.

  • O novo Wembley tem 90.000 lugares, todos cobertos.

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