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Pablo Neruda cai na malha fina do feminismo do século XXI

Diante da proposta de rebatizar aeroporto com o nome do poeta, mulheres lembram acusação de estupro e criticam escritor por ter abandonado a filha

Por AFP Atualizado em 30 jul 2020, 20h02 - Publicado em 30 nov 2018, 17h22

Em tempos de #MeToo, nem o prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda se salvou de uma revisão histórica por seu comportamento com as mulheres, que, com os códigos éticos atuais, possivelmente teria sido levado ao banco dos réus como estuprador e por ter abandonado as suas funções de pai.

A polêmica recorrente voltou a surgir no Chile com a aprovação na Comissão de Cultura do Congresso chileno – apesar de ainda precisar ser analisada pelo plenário – da proposta de rebatizar o aeroporto de Santiago com o nome do poeta.

Os críticos recordam uma passagem de suas memórias Confesso que Vivi na qual descreve o que se assemelha a um estupro de uma jovem tamil, da casta dos intocáveis, encarregada de limpar suas latrinas quando era cônsul do Chile no Ceilão, atual Sri Lanka.

“Certa manhã, determinado a tudo, peguei-a com firmeza pelo punho e olhei-a no rosto. Não havia idioma em que eu pudesse falar com ela. Se deixou ser conduzida por mim sem um sorriso e logo estava nua na minha cama (…) O encontro foi de um homem com uma estátua. Permaneceu o tempo todo de olhos abertos, impassível. Fazia bem em me desprezar. A experiência não se repetiu”, diz o poeta.

Para além da qualidade de sua poesia, o que muitos se perguntam, sobretudo as mulheres, é se não há alguém com um histórico menos polêmico para merecer a honra de ter um aeroporto com seu nome. É o caso da socióloga Claudia Dides. “Por que colocar nomes de homens nos espaços públicos? Temos que reivindicar pelas mulheres”, diz à AFP.

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A deputada Pamela Jiles, que conheceu o autor quando era criança, pois seu avô foi advogado do poeta, é contra esta mudança. “Considero que esses não são tempos de homenagear alguém que maltratava as mulheres, que abandonou sua filha doente e que confessou um estupro”, afirma.

Neruda teve uma única filha, Malva Marina, com a holandesa María Antonieta Hagenaar, Maruca. A menina tinha hidrocefalia e morreu aos 8 anos. O pai se manteve afastado dela durante quase toda a sua vida.

Não é a obra, é o comportamento

“Não acho que seja necessário condenar a obra de Neruda, como tampouco se pode desconhecer a sua contribuição à política como militante comunista, mas acho que temos que ser claros em condenar o seu comportamento com as mulheres. Nem o poema mais perfeito pode compensar a maldade feita a uma criança”, diz Jiles.

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Contudo, a escritora e jornalista Faride Zerán, autora de La Guerrilla Literaria – no qual analisa as duras críticas de Pablo Neruda, Vicente Huidobro e Pablo de Rokha -, não concorda com a controvérsia. “Hoje se vê com uma lógica moral do século XXI um homem do XX. Não acho justo”, afirma.

O diretor executivo da fundação que leva o nome do poeta, Fernando Sáez, minimiza o caso e assegura que o poeta “sempre teve inimigos”, e seu comportamento com as mulheres, das quais sempre esteve rodeado, não diminuiu o interesse por sua obra ou por suas três casas-museu, que são algumas das principais atrações turísticas do Chile.

A escritora Adriana Valdés lembra que se a conduta pessoal imaculada fosse requisito para ler e admirar escritores ou pensadores, “teríamos que prescindir de pessoas como Rimbaud, Céline, Sartre, Lope de Vega, Verlaine, e para que dizer Oscar Wilde, Baudelaire, Rousseau, Heidegger…”

Segundo ela, o importante é que hoje se pode olhar para trás e ver como eram “bárbaras e cruéis muitas práticas machistas e que, há muito pouco, faziam parte do senso comum”.

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