Morre a atriz Maria Alice Vergueiro, dama do teatro alternativo
Famosa na internet com o vídeo 'Tapa na Pantera', atriz reinou nos palcos paulistanos ganhando o apelido de 'dama do underground'
Morreu nesta quarta-feira, 3, a atriz Maria Alice Vergueiro, um dos grandes nomes do teatro brasileiro. A artista de 85 anos estava internada há uma semana no Hospital das Clínicas, em São Paulo, com um quadro de insuficiência respiratória. A notícia foi confirmada pela família e amigos a VEJA. “Ela não estava legal, sofria de um Mal de Parkinson muito adiantado. Foi ficando debilitada. E isso, para uma pessoa viva e inteligente como ela, era muito difícil”, conta a VEJA sua filha Maria Silva Vergueiro. Segundo ela, a atriz sofreu um engasgo, chamado broncoaspiração, provocado pelas limitações do Parkinson. A família fará um velório na quinta-feira, no Cemitério e Crematório Horto da Paz, em Itapecerica da Serra.
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Clique e AssineProlífica atriz do teatro brasileiro, Maria Alice fugiu dos passos previstos pela sua família da elite paulistana ao se embrenhar pelo teatro aos 27 anos, com a peça A Mandrágora, dirigida por Augusto Boal em 1962. Ao longo de sua renomada carreira, foi figura recorrente em alguns dos mais importantes espetáculos teatrais de São Paulo, entre eles a histórica montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, sob direção de José Celso Martinez Corrêa e Mahagony Songspiel de Cacá Rosset – ao lado dele e de Luiz Roberto Galízia, fundou o Teatro do Ornitorrinco onde atuou em diversas produções.
Para os que não a viram no teatro, Maria Alice ficou popular em 2006, em um dos primeiros vídeos a viralizar na recente história das redes sociais no Brasil, chamado Tapa na Pantera, no qual uma senhora usa maconha e diverte o espectador com frases nonsenses.
Livre de conservadorismos e adepta ao cenário alternativo, substituiu o rock pelo teatro no velho mantra “sexo, drogas e rock’n roll”. Recusou diversos convites para atuar na Globo — exceto por Sassaricando (1987), sua única investida na televisão, na qual deu vida a rica e rabugenta Lucrécia, trabalho em que contracenou com nomes fortes do teatro nacional como Ileana Kwasinski, Jandira Martini e Paulo Autran. Seu habitat natural, porém, era o palco. Foi no teatro que conquistou apelidos como “dama do underground”, “dama dos porões” e “velha dama indigna” — e se autodenominou “substar”.
Durante a ditadura militar, atuou como professora na Escola de Aplicação da USP, e levava os alunos às montagens do Teatro de Arena e do Teatro Oficina, proibidos a menores de idade. Anos depois, foi dispensada da docência da Escola de Comunicações e Artes, também da USP, por protagonizar a peça Cabaré da Rainha Louca, em que interpretava uma prostituta sadomizada pelo então aluno Cacá Rosset.
Reconhecida por seu brilhantismo em cena, a atriz acumulou estatuetas de prêmios cobiçados, como Molière, APCA e Shell. Na vida pessoal, lutou contra o alcoolismo e, nos últimos nos de vida, convivia com o parkinson avançado. Sua última peça foi Why the Horse?, em que encenou o próprio velório.
Em 2018, foi tema de um documentário em sua homenagem, batizado de Górgona, dirigido por Fábio Furtado e Pedro Jezler. “Foi uma pessoa de grande generosidade e de comprometimento com a criação teatral. Inconcessível nesse aspecto”, conta Furtado a VEJA. “O que tivesse que fazer, o esforço que fosse necessário para realizar uma ideia, uma faísca criativa, ela fazia. Sempre manteve com as pessoas que eu vi trabalhando com ela uma relação de horizontalidade. Mesmo sendo quem ela era, sempre respeitou qualquer ideia, contribuição, contraposição das pessoas envolvidas no processo criativo. Para mim, vê-la trabalhando foi um aprendizado fundamental. Maria é fundamental. Uma perda enorme que uma pessoa dessa magnitude fique ausente agora.”