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K-pop com zumbis

Depois de fincar sua bandeira na música adolescente e no cinema, o entretenimento made in Coreia do Sul conquista o streaming com a série 'Kingdom'

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 fev 2019, 21h09 - Publicado em 1 fev 2019, 07h00

O silêncio inquebrantável, a fumaça de incenso, as mesuras e os maneirismos obsessivos: Kingdom, série recém-lançada na Netflix, retrata em cada pormenor da cenografia, do figurino e da mesmerizante fotografia a solenidade que regia as relações na Coreia medieval. No palácio da longeva dinastia Joseon (1392-1910), a cultura de pompa e circunstância atingia o ápice. Mas, na produção do diretor sul-coreano Kim Seong-hun, os excessos cerimoniosos — que obrigam até o príncipe regente, Lee Chang (Ju Ji-hoon), a se mover pelos corredores só de meias — contrastam com um elemento fora da ordem. O herdeiro do trono é impedido de entrar no palácio para ver o rei, seu pai. O governante já não sai do quarto, guardado por nobres conspiradores do clã da jovem rainha Cho (Kim Hye-­­­jun). Sabe-se, de cara, que o rei contraiu uma grave doença; em minutos, nota-se que provavelmente ele nem esteja vivo, embora toda uma encenação (e interdição) seja armada para que isso não se torne público antes de a rainha dar à luz um novo herdeiro — e Chang ser posto para escanteio. Ao investigar o que ocorre, o príncipe ouve um rosnado e sente cheiro de carne pútrida vindo dos aposentos reais. Ele ainda não sabe, mas o espectador já tem certeza: seu pai é um monstro morto-vivo. Sim, um rei-zumbi.

Segunda série original da Netflix produzida naquele país, Kingdom é a prova de que a Coreia do Sul está com tudo, e muito prosa na seara do entretenimento: seu soft power, expressão que designa o poder econômico alcançado pela exportação de bens culturais, agora invade a TV e o streaming, depois de cavar trincheiras na música, por meio do onipresente k-pop, e no cinema. Do qual, aliás, saiu o talentoso Kim Seong-hun, diretor do sensacional thriller O Túnel, de 2016.

Na série, Kim entra em um terreno já cultivado com êxito pelo colega Yeon Sang-ho, na produção de orçamento modesto que virou hit mundial Invasão Zumbi, também de 2016. Se esse último tinha como cenário a moderna Coreia dos trens-bala, a partir de onde se espalha um vírus que converte pessoas em mortos-vivos, Kingdom investe na combinação insólita, porém funcional (e inovadora), de artes marciais, produção oriental de época, terror e intriga política. É, ainda, um conto clássico sobre a formação de um herói forjado na honra pessoal e na retidão de caráter: pouco a pouco, o príncipe Chang deixa seus modos reticentes de aristocrata para botar a mão na massa (ou no sangue de cadáveres) a fim de salvar o povo famélico do ataque dos monstros — na Coreia do período, é claro que ninguém ainda ouvira falar em zumbis, esses entes tão disseminados na ficção contemporânea.

Kingdom exibe um substrato alegórico típico: os zumbis servem para Kim Seong-hun tecer comentários sociais. É possível inclusive entrever referências à divisão das duas Coreias: imersa em luta fratricida, a sociedade é pega de surpresa pela podridão destrutiva que vem das próprias entranhas. A lição vale para as refregas entre sul-coreanos e a ditadura amalucada do norte-coreano Kim Jong-un. Mas aplica-se também, de forma exemplar, a ameaças de zumbis imaginários de qualquer tempo e lugar.

Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620

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