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Em ‘Sully’, Tom Hanks mostra força humana em tragédia real

No filme de Clint Eastwood sobre o célebre pouso forçado no Rio Hudson, não só errar é próprio do homem: também acertar em condições impossíveis pode sê-lo

Por Isabela Boscov
15 dez 2016, 09h47

Os passageiros e os tripulantes foram os primeiros a usar a palavra “milagre”. Ela começou a ser pronunciada já enquanto os sobreviventes — todas as 155 pessoas a bordo — iam sendo recolhidos das asas da aeronave, nas quais se equilibravam sobre as águas gélidas. Em pouco mais de trinta minutos, estavam todos a salvo nas barcas que, diante de uma cena tão inusitada quanto a de um Airbus A320 aproximando-se em rasante sobre o Rio Hudson, largaram dos ancoradouros. Na hora seguinte, o pouso forçado já virara “o milagre do Hudson”, e o comandante Chesley “Sully” Sullenberger III se tornara herói popular. Mesmo acidentes sem vítimas, porém, demandam investigação minuciosa, e a do voo 1 549 de 15 de janeiro de 2009 da US Air­ways foi tão implacável quanto qualquer outra — ou mais.

Entre os investigadores, ganhou força a tese de que o pouso n’água de Sullenberger fora temerário; fazer a curva de volta para seu aeroporto de partida, LaGuardia, ou rumar para o aeroporto também próximo de Teterboro é que teria sido o certo. O comandante, porém, permanecia convicto de que encontrara a única solução possível. É esse o eixo principal de Sully — O Herói do Rio Hudson, que estreia no país nesta quinta-feira: a maneira como o protagonista examina e reexamina suas ações em busca de um possível erro — e como, aliado ao seu preparo e à sua experiência, esse hábito está na essência de sua competência notável.

Sully teve sua estreia no Brasil adiada por duas semanas em razão da tragédia da Chapecoense. E, à medida que as investigações sobre o voo que caiu na Colômbia sugerem todo tipo de falha humana, mais dolorosa fica a contraposição entre o acidente de 15 de janeiro de 2009 e o de 28 de novembro último. O voo da US Airways foi atingido por um bando de pássaros logo que decolou do aeroporto nova-­iorquino de LaGuardia. Engolidas pelas turbinas, as aves danificaram os motores. A menos de 1  000 metros do chão, o Airbus perdeu subitamente toda a sua potência. Sullenberger (interpretado por Tom Hanks com a imperturbabilidade e a fibra do Sully de verdade) e o copiloto Jeff Skiles (Aaron Eckhart) tentaram, sem êxito, acionar a potência auxiliar. Ainda seguindo o protocolo, pediram acesso urgente a uma pista de Teterboro. Ao começar a curva, porém, o piloto se deu conta de que não chegaria lá, e decidiu-se por uma manobra de altíssimo risco: usar o rio como pista.

“Dar-se conta” e “decidir-se” são os processos que Clint Eastwood, 86 anos, dirigindo com a fluência e a segurança que fizeram de Sully e de Sniper Americano sucessos, expande de formas tão engenhosas quanto graciosas. A primeira visão do acidente iminente vem num pesadelo de Sullenberger na noite seguinte à sua façanha. Outros trechos do voo brevíssimo vão sendo apresentados em contextos diversos e sob pontos de vista diferentes: ao mesmo tempo em que escande um evento tão complexo, Eastwood mostra assim a infinidade de variáveis que Sullenberger teve de fatorar “no olho”, segundo suas próprias palavras. Alternando várias linhas temporais, Eastwood, célebre por dirigir também ele “no olho” — incorporando erros imprevistos e reações espontâneas à tessitura de seus filmes —, mostra o que isso significa. Por exemplo, 41 anos ao manche na ocasião do acidente, desde o primeiro brevê e a graduação como piloto de caça na Força Aérea até as décadas na aviação comercial, com histórico impecável. Ou, ainda, o conhecimento técnico vasto. E, não menos relevante, a calma inata sob pressão. “Não pensei em nada que não fossem os próprios eventos do voo. Nem em morte, nem em família”, disse Sullenberger a VEJA.

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A calma de Sullenberger salvou vidas e também sua própria reputação. Em Sully, aonde vai, ele é recebido com honras: mulheres o abraçam, desconhecidos tiram fotos com ele, barmen servem drinques de graça. O piloto acolhe as homenagens com reticência; com o torniquete da comissão investigativa apertando-se em torno dele, Sullenberger revisa cada instante do voo e contrapesa cada gesto seu com as conclusões preliminares. Esse rigor é que o faz pedir que as simulações da Airbus sejam antecipadas para coincidir com a reunião final do comitê. E, nesse terceiro e último ato, Sully se transforma inesperadamente em um eletrizante filme de julgamento.

Em cabines instaladas em Toulouse, na sede da Airbus na França, duas equipes “decolam” de uma versão digital de LaGuardia e refazem a trajetória exata do voo: mesma rota, aceleração, taxa de ganho de altitude. Aos 95 segundos após a decolagem, o instante em que as aves se enfiaram nas turbinas, uma das duplas retorna a LaGuardia e faz o pouso em segurança. A outra se dirige a Teterboro, e também toca o chão sem reveses. De Nova York, acompanhando via satélite as simulações, Sullenberger protesta: e onde ficam os preciosos segundos consumidos no diagnóstico da situação? O comitê reconsidera: as equipes deixarão um intervalo de 32 segundos entre o encontro com os pássaros e o procedimento de emergência. Em ambos os casos, o acréscimo é catastrófico. Numa das raríssimas vezes em que uma investigação teve a presença de um piloto vivo, chegou-se a uma conclusão de simbolismo evidente: nenhum computador a bordo ou em terra seria capaz sequer de reconhecer os dados que Sullenberger identificou, quanto mais processá-los com tal coerência. O “fator humano” com que a comissão designaria erro teve de servir, dessa vez, para resumir um conjunto inimitável de qualidades.

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