Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Wilson Risolia: “O poder público não vai arcar com o reforço sozinho”

O secretário-geral da Fundação Roberto Marinho defende a aliança entre as redes públicas e o terceiro setor para otimizar a volta às aulas depois da crise

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 28 abr 2020, 12h00 - Publicado em 28 abr 2020, 11h58

Este ano, no Dia Mundial da Educação, comemorado nesta terça-feira (28), o Brasil se encontra diante de um desafio hercúleo: prevenir e, posteriormente, mitigar os danos causados pela pandemia do novo coronavírus em uma rede de ensino já corroída por severas fragilidades. Em meio à quarentena, gestores, docentes e alunos estão se virando como podem para dar continuidade ao processo de aprendizagem por meio do ensino remoto. Diante do cenário de desigualdade – expressa na dificuldade que os estudantes mais pobres estão enfrentando para acessar um bom material didático -, algum impacto será inevitável.

Neste contexto, a campanha “Nem 1 Pra Trás”, da Fundação Roberto Marinho (FRM), chama a atenção para outro agravante: só no ensino médio, mais de 25% dos alunos estavam atrasados muito antes das medidas de isolamento os impedirem de frequentar a escola. “Será preciso muito reforço para garantir que este contingente não cresça ainda mais no ano que vem”, alerta o secretário-geral da FRM e ex-secretário estadual de Educação do Rio, Wilson Risolia. Para o especialista, um bom programa de reposição que não custe caro aos cofres públicos (já combalidos pela crise) passa pelo aproveitamento do material que já está disponível nas diversas plataformas oferecidas por entidades envolvidas com a causa – basta que as redes saibam que elas existem. Abaixo, trechos de sua entrevista à VEJA.

Qual deve ser a primeira preocupação dos gestores de educação pública diante da pandemia? A prioridade “zero” é garantir que as soluções de ensino remoto cheguem até o aluno – sem ilusões, porque algum gap será inevitável. Para isso, é preciso ter plano A, B, C, usar aplicativo, live no Instagram, material impresso entregue de porta em porta, TV estatal, o que for necessário. Ao mesmo tempo, é essencial que os gestores planejem desde já a volta às aulas, mesmo que a data ainda não esteja definida. Fazer uma avaliação diagnóstica do estágio em que os estudantes se encontrarão ao voltar para a escola, por exemplo, é condição sine qua non para que se dê continuidade ao processo de aprendizagem. Só assim será possível definir quais disciplinas sofreram os maiores desfalques, qual será o conteúdo prioritário, quem precisará de reforço e, principalmente, de que modo essa reposição será feita. Caso contrário, vamos trabalhar enxugando gelo.

Por quê? Porque um dos problemas mais graves do ensino brasileiro é, justamente, o fluxo escolar. De acordo com o último Censo, a taxa de distorção idade‐série alcança 16,2% das matrículas no ensino fundamental e 26,2% no ensino médio, o que mostra que um enorme contingente de pessoas que já ficava para trás antes de a quarentena começar. A cada ano, mais alunos entram nessa estatística. Durante a crise, será preciso trabalhar intensamente com essas duas alavancas: corrigir a defasagem já existente e evitar que o problema se agigante. Na Coreia do Sul, por exemplo, a recuperação dos alunos ao longo do ano é uma política pública que substitui a repetição da etapa. Se o Brasil não fizer algo nesse sentido, no ano que vem, terá criado um passivo imenso de estudantes atrasados e desmotivados – daí a importância de pensar, desde já, no retorno. Será preciso muito reforço.

ASSINE VEJA

Coronavírus: uma nova esperança A aposta no antiviral que já traz ótimos resultados contra a Covid-19, a pandemia eleitoral em Brasília e os fiéis de Bolsonaro. Leia nesta edição. ()
Clique e Assine

Muitos estados (a começar pelo Rio) estão com as contas no vermelho e a tendência é que a situação piore com a pandemia. Como arcar com o reforço? A rigidez do orçamento voltado para a educação no país sempre foi uma armadilha que, agora, mostrará todas as suas facetas. O dinheiro para manutenção, uniforme, entre outros itens, não poderá ser temporariamente remanejado para dar conta do reforço e o poder público não vai conseguir cobrir o que faltar. A solução, a meu ver, é incentivar a aliança da rede pública com empresas de tecnologia e, principalmente, com o terceiro setor. No Brasil, quase 90% dessas iniciativas são voltadas para a educação e oferecem inúmeras soluções gratuitas que podem ser bem utilizadas. Muitas redes sequer sabem da existência desse material. Apesar de muitos lares brasileiros não possuírem internet, a grande maioria dos alunos da rede pública têm acesso à rede de alguma maneira. O assunto não é um bicho de sete cabeças, só precisa ser bem explorado.

Por que estas soluções não chegam aos alunos? Porque o conteúdo frequentemente é disperso, sem definições claras de a qual etapa se refere, sem curadoria nenhuma. Há uma diversidade difusa. Na nossa plataforma, por exemplo, reparamos que investimos muito em ensino médio e faltava material em larga escala para o fundamental I. É essencial que esse conteúdo seja ordenado e entregue pronto, para que o rapaz bata o olho e saiba para o que serve.

O mesmo vale para os professores? Sim. Nós falamos muito sobre como a formação do docente é descolada da realidade da sala de aula e essa é outra mazela brasileira que vem à tona nestes tempos. O lado bom é que a maioria dos professores está disposta a aprender – e isso também tem que ser pensado do zero. Mais uma vez, o terceiro setor pode ajudar: só na nossa plataforma, por exemplo, há vídeos com dicas de como gravar uma aula, como centralizar a câmera e como lidar com a falta de um tripé. Essa talvez tenha sido a coisa boa que a crise trouxe para a educação: uma maior intimidade com a tecnologia.

Como justificar o investimento em educação no longo prazo, diante de uma crise sem precedentes? Não existe desenvolvimento sem educação e as pesquisas que relacionam os resultados do Pisa com o aumento no PIB estão aí para provar. Agora, traga isso para o contexto de uma pandemia: é impossível liberar a mão de obra para trabalho sem que haja suporte das escolas. Profissionais do comércio, do varejo, da indústria, não podem ir trabalhar se não tiverem um bom lugar para deixar os filhos. Por outro lado, uma criança bem alfabetizada tem mais chances de chegar bem ao ensino médio, e um adolescente com bom ensino técnico é mão-de-obra qualificada. Imagine o que teria sido da economia se o país investido em aulas de inglês para os alunos que entraram no ensino médio três anos antes da Copa do Mundo e das Olimpíadas, por exemplo. Não podemos perder, hoje, a chance de prepará-los para o mundo pós-coronavírus – e ninguém pode ficar para trás.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.