A semana está agitada em Brasília. Depois de assustar o mercado financeiro com declarações referentes a uma possível intervenção do governo na política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras e de ameaçar “meter o dedo na energia elétrica”, o presidente Jair Bolsonaro deu aval para o avanço de projetos que visam as desestatizações de Correios e Eletrobras, empresas que, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, são “privatizações óbvias” e também são consideradas como sinalizações importantes para a volta da agenda liberal do governo. Para que isso aconteça, no entanto, o governo tem de seguir um rito. Na quarta-feira 24, Bolsonaro entregou nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o Projeto de Lei que prevê a criação de um marco regulatório dos serviços postais. “Diferentemente da Eletrobras, que nós precisávamos de uma medida provisória para incluir a empresa no PND [Programa Nacional de Desestatizações], no caso dos Correios eu preciso regulamentar o marco postal para ter carta branca para a modelagem da empresa”, diz Diogo Mac Cord, secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados no Ministério da Economia.
Por meio do projeto entregue à Câmara dos Deputados, o governo garante que cumprirá com os preceitos de universalização dos serviços postais, previsto na Constituição, sem que seja necessário um monopólio para tal. No caso, a Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, ficará responsável por regular e monitorar o cumprimento das metas de universalização e qualidade dos serviços. A autarquia passará, então, a se chamar Agência Nacional de Comunicações (Anacom). “A empresa pode ser integralmente concedida à iniciativa privada. O controle que nós teremos é por meio da regulação”, explica Mac Cord, em entrevista a VEJA. “O projeto que nós encaminhamos dá um prazo de monopólio de até cinco anos para os Correios, para ir quebrando isso aos poucos para incentivar a competição.”
Desde agosto de 2020, a consultoria Accenture e o escritório Machado, Meyer Advogados auxiliam o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, para definir o modelo ideal a ser adotado para a desestatização dos Correios. A versão final desses estudos já foi apresentada ao ministro Paulo Guedes. Na próxima semana, será a vez do ministro das Comunicações, Fábio Faria, ter acesso a esse conteúdo. Ao contrário da Eletrobras, que já tem capital da Bolsa de Valores, nos Correios, o modelo de capitalização por meio de venda de ações não é cogitado. “Existem três grandes possibilidades. Uma é a venda da empresa como um todo. Outras hipóteses são o fatiamento da empresa por região ou por serviço prestado”, explica Mac Cord. “O IPO demandaria mais tempo no caso dos Correios. Mas nada impede que o grupo que faça a aquisição leve a empresa à bolsa posteriormente.”
Impulso setorial
Segundo Mac Cord, a desestatização dos Correios vai forçar a inovação não só da empresa como de todo o setor logístico brasileiro. “Queremos ter um serviço logístico de futuro, dinâmico, com qualidade. No momento em que o e-commerce explode no Brasil, os Correios ficaram parados, porque a empresa é ineficiente”, afirma o secretário, que emenda um elogio ao atual presidente da companhia, o general Floriano Peixoto, na sequência. “Apesar de todo o esforço que o general Floriano está fazendo, um trabalho brilhante, de controle de custos, ele sofre com os mesmos problemas de todos os outros CEOs de estatais, que são as barreiras criadas pela Lei das Estatais, entre outras coisas”, completa.
O edital para o processo de desestatização será remetido ao Tribunal de Contas da União (TCU) e, assim que liberado pela Corte, será liberado para a realização do leilão. Se tudo ocorrer como o governo espera, a parte burocrática do processo deve ser finalizada em dezembro. “Estamos querendo concluir o Projeto de Lei, com a publicação do edital, ainda este ano. Para isso, a gente precisa realizar essa modelagem ainda no primeiro semestre”, diz Mac Cord. “O Tribunal de Contas da União (TCU) pede um mínimo de 150 dias para fazer a avaliação da modelagem. Só depois que poderemos publicar o edital”, explica. Sem condições de receber investimentos para sua modernização, os Correios ficam para trás da concorrência. Nas mãos do setor privado, é possível que as amarras se desfaçam e que a empresa volte a ditar os rumos da inovação no setor. Enquanto isso não acontece, o governo tem de lidar com a fúria das frentes sindicais de funcionários da empresa.