É atribuída ao economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, a célebre frase de que seria preciso antes “fazer crescer o bolo, para depois reparti-lo”. Essa máxima justificaria como o governo da época conseguiu promover o chamado “milagre econômico”, mas falhou ao ampliar a desigualdade de renda no Brasil. Na década passada, porém, o país não conseguiu nem uma coisa nem outra. O crescimento do PIB foi pífio, e a desigualdade voltou a se ampliar, depois de ter retrocedido no começo do milênio.
O desafio continua nesta década de 2020. Reativar a economia de forma sustentável tem sido a grande dificuldade para o país no pós-pandemia, primeiramente sob a Presidência de Jair Bolsonaro, e agora com o comando de Luiz Inácio Lula da Silva. Um alento, no entanto, surgiu recentemente com a revelação de que o PIB do primeiro trimestre havia crescido bastante acima das expectativas dos agentes do mercado financeiro.
Um dia antes do anúncio, feito no dia 1º de junho, a projeção mediana dos analistas era de que o PIB havia crescido 1,3%, no período. Quando surgiu a informação de que a alta havia sido de 1,9%, as casas de análises se apressaram a aumentar as suas previsões para o ano, ainda mais do que já vinham fazendo. Na primeira semana de janeiro, a pesquisa do Boletim Focus, compilada pelo Banco Central junto aos analistas de mercado, indicava uma estimativa de crescimento do PIB de 0,78% para 2023. Na segunda-feira 5, o Focus já trazia projeção de 1,68%, e não será nenhuma surpresa se a pesquisa logo começar a captar tendência de expansão acima dos 2%. Na estimativa mais otimista entre os bancos, o americano Goldman Sachs já espera um avanço de 2,6%. “Isso não tem nada a ver com o Brasil em si, tem a ver com São Pedro, com o clima. Houve uma megassafra que deu uma contribuição muito grande para o primeiro trimestre: 1,1 ponto veio desse crescimento da agricultura”, explica Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs.
Agora, o simples carregamento estatístico, o empurrão do patamar alcançado ao final do primeiro trimestre, já garante expansão de 2,4% para o ano. Ou seja, mesmo que os três trimestres seguintes registrem crescimento zero, significará um desempenho bastante melhor do que era esperado há poucas semanas. “O Itaú BBA está com uma projeção de crescimento de 1,4% para 2023 e devemos revisar para algo entre 2% e 2,5%, muito por conta do agronegócio, que pode crescer perto de 12% no ano”, diz a economista do banco, Natália Cotarelli. “Os serviços serão o segundo setor mais importante do PIB de 2023 e alguns deles serão empurrados pela agropecuária, como os transportes.”
O grande desafio será evitar um período de queda do PIB. Para manter o bolo crescendo, a receita não poderá depender apenas do setor agrícola. Mesmo que os efeitos da safra recorde se estendam um pouco para o segundo trimestre e que a segunda safra do ano também seja bastante produtiva, como se projeta, não dá para esperar que o ritmo do PIB agrícola segure sozinho o resultado do ano. Alguns indicadores preocupam. O consumo das famílias, no primeiro trimestre, cresceu apenas 0,2%. A indústria caiu 0,1%. Já a taxa de investimento, importante para projetar o futuro da economia, recuou 3,4%, mostrando uma maior cautela do empresariado nesse início de governo.
O ingrediente principal deve ser recuperar os investimentos. A taxa de investimento em relação ao PIB teve uma queda significativa no começo de 2023, baixando para 17,7%, em março, frente aos 19,6% de um semestre antes. Diversos estudos garantem que, para o país alcançar um crescimento constante acima de 2% ao ano, essa taxa deve superar os 22%. O número mágico não foi atingido pelo país nas últimas décadas. Em seu melhor momento, o patamar foi de 21,5% — algo que aconteceu por duas vezes, nos terceiros trimestres de 2009 e de 2012.
Para o nível de investimentos se recuperar, será importante que o mercado confie no avanço do marco fiscal e da reforma tributária no Congresso. O primeiro já foi aprovado na Câmara, e deve ser votado ainda neste mês pelo Senado. Já a primeira fase da reforma, voltada à taxação do consumo, teve as suas linhas gerais apresentadas pelo relator do texto na Câmara, na terça-feira 6. A proposta prevê a união de cinco tributos em um imposto sobre valor agregado (IVA). “A questão é até que ponto é sustentável esse crescimento pós-pandêmico um pouco mais forte do que o de antes da pandemia. Virá mais investimento do setor privado e mais reformas estruturantes para apoiar um crescimento maior?”, questiona Samar Maziad, vice-presidente e analista-sênior da agência de classificação de risco Moody’s. “Mantemos desde 2016 a classificação do Brasil de ‘Ba2 estável’, mesmo com alguns eventos desafiadores nos últimos oito anos. As dinâmicas de crescimento foram decepcionantes por muito tempo. Precisamos ver o que acontece a partir de agora.”
Além do investimento, o consumo doméstico também foi um ponto de atenção no início do ano, muito prejudicado pelos juros altos. Com taxas de empréstimos mais pesadas, a inadimplência também se fortaleceu, e acabou por desincentivar a concessão de crédito. Sem isso, os setores imobiliários e de bens de consumo sofrem, em especial. A boa notícia é que o começo dos cortes da taxa Selic, pelo BC, não deve estar longe, previsto para até agosto. Mantida em 13,75% ao ano para controlar a inflação, a Selic alta já está cumprindo a sua função e poderá ser afrouxada. O IPCA acumulado em doze meses até maio ficou em 3,94%, próximo do centro da meta do BC para este ano, de 3,5%.
Se os efeitos mais intensos da baixa dos juros e de uma possível aprovação da reforma tributária só devem ser sentidos em médio e longo prazo, uma virada de humor já parece estar acontecendo numa área da economia que vive de antecipar tendências. O mercado de capitais viu, na quarta-feira 7, o índice Ibovespa superar os 115 000 pontos pela primeira vez desde novembro do ano passado, aproximando-se de uma alta de 15% nos últimos dois meses. “Estamos saindo de um país em que a discussão estava focada em inflação e alta de juro para outro em que se debate quando e quanto cairá a Selic”, afirma Felipe Miranda, co-CEO da casa de análises Empiricus. “O mercado tende a subestimar o afrouxamento monetário do BC. Podemos estar diante de um PIB que cresce 2%, de uma inflação abaixo de 5% e de uma Selic de 8%. Neste cenário, a bolsa brasileira fica ainda mais interessante.”
Curiosamente, desde a pandemia, acontece uma reversão de uma tendência da última década. Entre 2011 e 2020, em apenas um ano o crescimento do PIB ficou acima da estimativa do consenso do mercado, captado pela pesquisa Focus na primeira semana de janeiro (veja o gráfico). Porém, desde 2021, os economistas e analistas passaram a prever um PIB mais negativo do que ele acabou se revelando. Em 2023, será igual. A oportunidade para uma virada para um maior otimismo e para uma expansão mais robusta foi posta. O governo pode ajudar nisso, se respeitar a receita para fazer o bolo crescer.
Colaboraram Larissa Quintino e Luana Zanobia
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845