Frasista célebre, o duque francês François de La Rouchefoucauld (1613-1680) tinha o dom da retórica, aquela ausente no debate da noite de terça-feira 29 entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden. “A fama dos grandes homens devia ser sempre julgada pelos meios que usaram para obtê-la”, ensinou, certa vez, o francês. Se julgados pela atual fama do Brasil no exterior, os meios não seriam nada nobres. Durante a grita que se passou por debate entre os americanos, o país presidido por Jair Bolsonaro foi colocado no centro das discussões pelo candidato democrata — e por um péssimo motivo: o descuido com a Amazônia. “A floresta tropical do Brasil está sendo devastada, está sendo destruída”, começou Biden, que prometeu, se eleito, articular uma coalizão para arraigar fundos para preservar a floresta. Por outro lado, ameaçou, na mesma fala, retaliar economicamente o Brasil se as políticas de preservação continuarem as mesmas. “Aqui estão 20 bilhões de dólares. Parem de destruir a floresta e, se não pararem, então enfrentarão consequências econômicas significativas”, disse.
A proposta repercutiu no meio econômico e de ambientalistas, mas, àqueles atentos, nada existe de novo. Um relatório da Amcham, a câmara de comércio entre Brasil e Estados Unidos sediada em São Paulo, já apontava as oportunidades para o país em ambos os cenários, na ressaca de vitórias de Trump e Biden. Segundo o levantamento que analisa a diretriz econômica dos candidatos, o Brasil ocupa um espaço regional de destaque na disputa e as relações com a China, o maior parceiro comercial do país, estarão no cerne das discussões. No caso de uma vitória democrata, a instituição aponta que as relações comerciais entre os dois países deve ter uma guinada semelhante à, hoje, existente entre o Brasil e os países-membro da União Europeia, que cobram políticas mais efetivas do governo brasileiro em relação à pauta ambiental. “Caso Biden seja eleito, o Brasil pode esperar um maior engajamento dos Estados Unidos em temas internacionais. Por outro lado, deverá haver maior foco em temas como mudança do clima, preservação da Amazônia e direitos de minorias, assim como já ocorre por parte dos países europeus”, afirma a Amcham.
Por outro lado, a recondução de Trump à Casa Branca pode, segundo a organização, significar uma aproximação maior das duas nações, graças às relações da família Bolsonaro com o atual presidente americano. A Amcham, porém, alerta para um maior caráter de defesa de uma política nacional-desenvolvimentista e protecionista do republicano em relação a Biden, cujo partido é mais historicamente ligado aos ideais globalistas. “Com Trump, a agenda de retomada econômica dos Estados Unidos deverá ter um caráter mais nacionalista, com viés protecionista na área de comércio e pontos de fricção em relação à América Latina, sobretudo em torno de temas como imigração ilegal e tráfico de drogas”, diz a instituição. “A proximidade da família Bolsonaro com Donald Trump pode ser um facilitador para o aprofundamento da agenda bilateral de comércio e investimentos”, aponta o relatório. Os dois cenários abrem oportunidades interessantes para o comércio e investimentos entre os dois países destaca a Amcham, apesar das diretrizes opostas em relação às costuras comerciais dos Estados Unidos em ambos os cenários.
Segundo o documento, sob a liderança de Trump, os Estados Unidos se tornaram mais avessos ao multilateralismo e à atuação de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Trump, aponta o relatório, também tem sido crítico de alguns acordos de livre comércio firmados pelos Estados Unidos (como o NAFTA e a Parceria Transpacífica) e tende a privilegiar negociações bilaterais em detrimento de negociações que envolvam múltiplas partes. O Partido Democrata, por sua vez, permanece mais claramente a favor da participação em organizações internacionais, além de defender uma abordagem multilateral para a resolução de conflitos na política externa e apoiar mais abertamente o livre comércio com outros países, ainda que com maior ênfase na inclusão de temas como proteção de meio ambiente e de direitos humanos, destaca a Amcham.
O governo brasileiro reagiu. “Só uma pergunta: a ajuda de 20 bilhões de dólares do Biden é por ano?”, ironizou Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, recorreu às redes para criticar a proposta de Biden. “O candidato à presidência dos EUA, Joe Biden, disse ontem que poderia nos pagar US$ 20 bilhões para pararmos de ‘destruir’ a Amazônia ou nos imporia sérias restrições econômicas”, começou o presidente. “O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu Presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças. Nossa soberania é inegociável”, concluiu. Os olhos dos candidatos estão mirados, entre outras questões, no Brasil. Infelizmente, por motivos negativos.