Às vésperas da Copa do Mundo de futebol que será realizada no Catar, entre novembro e dezembro deste ano, o governo de Jair Bolsonaro decidiu engavetar o decreto de execução da Lei 13.756/18, que regulamenta o mercado de apostas esportivas no país. A postergação da medida, segundo fontes palacianas, tem a ver com o timing da eleição, já que o presidente teme perder apoio da classe evangélica ao endossar a prática de jogos de azar. Sem tempo hábil para regularizar o mercado até o evento, o governo já perdeu a chance de faturar uma bolada com a arrecadação gerada pela atividade. A estimativa é que a regulamentação gere aos cofres do país algo em torno de 3 bilhões de reais ao ano, além de 2 bilhões de reais para a venda de licenças operacionais.
Aprovada em 2018, durante o governo de Michel Temer, a lei pretende, sobretudo, coibir a evasão de divisas. Como diversos sites de apostas estão baseados fora do Brasil — a maioria em países considerados como “paraísos fiscais” –, a tributação sobre os jogos é considerada ínfima diante do que deveria ser para um mercado com faturamento estimado em 7 bilhões de reais e movimentação de aproximadamente 60 bilhões de reais. A implementação da lei, segundo seu rito normal, teria de ser implementada até dezembro de 2020, prazo que foi prorrogado por mais dois anos pelo governo. Agora, esse prazo termina em dezembro deste ano, o que deixará o mercado em um limbo jurídico.
Fora isso, a falta de fiscalização facilita que novas empresas atuem livremente no país – nem todas, no entanto, necessariamente sérias, o que acaba facilitando mal feitos, fraudes envolvendo apostadores e, como consequência, gerando insegurança, inclusive jurídica. Diante desse cenário, foi elaborado um grupo de estudos junto ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), o PND (Programa Nacional de Desestatização) e o BNDES que gestou uma medida provisória que prevê penalizações no mercado. O texto foi repassado ao Ministério da Casa Civil e, agora, aguarda a sanção de Bolsonaro. “Estamos falando, basicamente, de penalizar uma informalidade existente, proteger o apostador e coibir a evasão de divisas. O que vemos hoje é ruim para a sociedade brasileira”, diz André Gelfi, sócio-diretor do grupo Betsson no Brasil. “É uma atividade que já movimenta 60 bilhões de reais no país, que não tem regra e, até aqui, é negligenciada pelo poder público. Esse é o tamanho do descalabro”, complementa.
Estima-se que a Copa do Mundo sozinha irá movimentar mais de 20 bilhões de reais em apostas no país. A inércia do governo em relação ao tema faz com que pouco (ou quase nada) desse montante seja tributado e gere recursos aos caixas da União. “A arrecadação durante a Copa do Mundo seria três vezes maior em relação à média. Essa arrecadação o governo vai perder, porque não há mais tempo hábil de se fazer isso até lá”, diz uma fonte com conhecimento do tema. “Se a regulamentação não ocorrer até sua data-limite, em dezembro, os órgãos de controle vão pressionar o governo para entender o que aconteceu e responsabilizar os gestores envolvidos no caso”.
Para Eduardo Carlezzo, sócio-fundador do Carlezzo Advogados, o governo demonstra um “show de incompetência” ao não se mexer para a regulamentação dos jogos. “É um show de incompetência do governo federal. Trata-se de um assunto já aprovado por lei e pelo qual o governo apenas deveria apresentar uma norma que estabeleça as condições para que operadores atuem no país de forma regular”, afirma. “Enquanto isso, a operação irregular prolifera sem controle e não há nenhum ganho para o país ao fechar os olhos para o mercado negro que opera como se fosse legal”. À margem da lei, na clandestinidade, jogatinas já foram alvo de corrupção, propinas e buscas e apreensões. O governo segura o destino desse mercado em suas próprias mãos.