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O que gestores públicos pensam das propostas de Bolsonaro e Haddad

VEJA procurou três ex-integrantes de diferentes governos para analisar os programas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)

Por Machado da Costa
Atualizado em 30 jul 2020, 20h05 - Publicado em 23 out 2018, 07h58
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  • Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) não estão dividindo fervorosamente apenas o eleitorado. Seus planos de governo dividem também especialistas na área pública. VEJA procurou três economistas com passagens por diferentes governos para destrinchar seus planos de governo. Não há uma unanimidade. Dois deles, Dorothea Werneck e Raul Velloso, preferem o plano de governo de Bolsonaro, elaborado por Paulo Guedes, economista e provável ministro da Fazenda em caso de vitória do capitão reformado. Outro, Amir Khair, diz que vê mais lógica no plano de Haddad, principalmente pelo momento econômico vivido pelo país.

    Enquanto o programa de governo de Bolsonaro é pautado pelo liberalismo – fala em privatizações e em independência formal do Banco Central (BC), além da criação de emprego por meio da melhoria do ambiente de negócios –, o de Haddad foca o papel do Estado como motor do desenvolvimento.

    Segundo o economista Amir Khair, ex-secretário de finanças da cidade de São Paulo entre 1989 e 1992, o plano de Haddad pode fazer o Brasil crescer mais rapidamente. “A corrente ligada a Bolsonaro procura agradar e priorizar o interesse das empresas. A regra básica é atrair a atenção dos empresários, seja brasileiro ou estrangeiro. A outra linha é aumentar o poder de compra da população. Isso passa por políticas de rendas, salário mínimo e programas sociais. Essa questão é transcendental”, afirma Khair.

    Ele explica que o item mais importante na composição do produto interno bruto (PIB) é o consumo das famílias, foco principal do programa petista. “Uma política de crescimento tem de olhar para o consumo das famílias, e nesse ponto a política do Haddad é mais atenciosa. Além de priorizar programas sociais e de renda, mexe, principalmente, no crediário”, afirma.

    Sistema Financeiro
    Bolsonaro Haddad
    Independência formal do Banco central Banco Central assumirá compromisso com a geração de emprego
    Mandatos fixos Novo indicador para a meta de inflação
    Manutenção do tripé macroeconômico Câmbio menos volátil
    Maior flexibilidade cambial Regulação contra capital especulativo
    Maior ortodoxia fiscal Estímulo à competição bancária promovida pelos bancos públicos
    Controle rígido sobre inflação Revitalização dos bancos públicos
    Instituições financeiras federais serão subordinadas ao Ministério da Economia Tributação progressiva sobre os bancos a fim de reduzir custo do crédito

    O plano do PT, formulado pelo próprio Fernando Haddad, aponta que o Banco Central passaria a ter um compromisso com a geração de emprego – hoje, a autoridade monetária tem compromisso exclusivo com a inflação –, os bancos públicos seriam revitalizados e um tributo progressivo seria criado para coibir o spread bancário – diferença entre a taxa de capitação dos bancos e os juros cobrados dos clientes.

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    Já o programa de Bolsonaro, em relação ao sistema financeiro, indica a independência formal do Banco Central, controle rígido sobre a inflação, maior flexibilidade cambial e subordinação de instituições financeiras federais ao Ministério da Economia – integração entre os ministérios econômicos, como a Fazenda, o Planejamento e o de Indústria, Comércio e Serviços.

    “O grande freio, e isso vem desde a época da ditadura, passando pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, é o crediário. O poder do sistema financeiro é muito grande. Todos os presidentes do BC são muito ligados ao mercado, com exceção ao Alexandre Tombini [presidente do BC durante o governo de Dilma Rousseff]. Ele tentou uma política diferente e foi desacreditado”, afirma Khair.

    Reforma tributária e previdenciária

    Ambos os planos de governo falam sobre reforma tributária e previdenciária. Esta última foi a bandeira de Michel Temer assim que assumiu o governo, em maio de 2016. No entanto, a controvérsia é tamanha que quase dois anos e meio depois, não andou. Bolsonaro já afirmou que não endossa o texto que está no Congresso e um, mais brando, será encaminhado em caso de vitória. Haddad acredita que não é necessário realizar a reforma. A ideia do PT é que o sistema previdenciário voltará a se equilibrar ao combater privilégios de algumas classes profissionais e com a geração de empregos. Haddad também falou sobre criar um sistema de capitalização, no qual cada contribuinte seria responsável por sua própria aposentadoria. O plano de Bolsonaro também prevê a criação do sistema de capitalização, permitindo que os contribuintes escolham sob qual regime preferem se aposentar. Prevê também a redução da carga tributária por quem escolher a capitalização e a criação de um fundo de financiamento da previdência.

    Reforma da Previdência
    Bolsonaro Haddad
    Modelo de contas individuais de capitalização Rejeição ao texto que tramita no Congresso
    Possibilidade de optar por regime antigo ou novo Reequilíbrio da Previdência a partir da criação de empregos, da formalização de atividades econômicas e da ampliação da arrecadação
    Redução de encargos trabalhistas pelo regime de capitalização Combater privilégios previdenciários
    Criação de fundo de financiamento da previdência Convergência entre os regimes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios
    (Falou depois sobre capitalização)
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    Quanto à reforma tributária, Bolsonaro fala em simplificação e unificação de tributos federais, além da redução da carga tributária. Em campanha, o candidato disse pretender criar uma alíquota única de 20% para o imposto de renda, com isenção até cinco salários mínimos. VEJA já mostrou que essa proposta é inconstitucional. Haddad, por sua vez, fala na criação do Imposto sobre Valor Agregado, que unificaria impostos federais, na tributação de lucros e dividendos, além da taxação de grandes fortunas.

    Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento entre 1985 e 1989, afirma que nenhum dos dois terá alternativa senão fazer a reforma da Previdência. “Qualquer um que ganhar, vai acabar convergindo para fazê-la”, diz. Para ele, nenhuma das duas ideias, colocadas no papel, resolvem o problema. “Uma reforma que mexa no regime geral, alterar idade mínima, por exemplo, é muito ambiciosa. É possível, contudo, mexer no passivo atuarial. A reforma deveria privilegiar a criação de fundos de pensão, como acontecem nas empresas estatais. Ao fazer essa alteração, o déficit da Previdência seria retirado do orçamento e seria coberto pelo aumento da contribuição dos servidores e contribuintes regulares”, explica.

    Reforma Tributária
    Bolsonaro Haddad
    Redução Gradativa da carta tributária; Tributação de lucros e dividendos
    Simplificação e unificação de tributos federal; Criação do IVA
    Descentralização e municipalização Reestruturação do Imposto de Renda
    Criação de um mecanismo capaz de criar um sistema de imposto de renda negativo (renda mínima) Imposto regulatório sobre exportações para limita embarques de itens básicos
    Melhorar a carga tributária fazendo com os que pagam muito paguem menos e os que sonegam e burlam paguem mais. Imposto sobre grandes propriedades rurais
    (Falou depois em alíquota única de 20% para o IR, isenção até 5 salários mínimos)

    Sobre a reforma tributária, nenhum dos economistas mostrou-se empolgado com os planos. Essa seara, talvez, seja mais polêmica do que a previdenciária. Velloso resume: “Não há qualquer consenso sobre o que fazer”.

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    Leis trabalhistas e geração de emprego

    Enquanto o plano de Bolsonaro é altamente conciso em relação a esses temas, o programa de Haddad é praticamente só tem planos de geração de emprego. Em sua maioria, com intervenção estatal.

    Primeiramente, sobre direitos trabalhistas, o PT fala em revogar integralmente a reforma de Temer, em criar o Estatuto do Trabalho – que ainda seria negociada –, em valorizar sindicatos e associações, e em ampliar a fiscalização contra discriminação racial nas relações trabalhistas. Para gerar empregos, estão previstos a criação do Plano Emergencial do Emprego, com foco nas pessoas mais jovens, a retomada de obras de infraestrutura que estão paradas, o aumento dos investimentos da Petrobras e do programa Minha Casa Minha Vida e a volta da política de valorização do salário mínimo.

    Reforma Trabalhista
    Bolsonaro Haddad
    Criação de uma carteira de trabalho voluntária, no qual o contrato prevalece sobre a CLT (desde que respeitado os direitos constitucionais) Revogação da reforma trabalhista
    Permissão legal para escolha entre sindicatos Criação do Estatuto do Trabalho, produzido de forma negociada
    Ausência do imposto sindical Valorização de sindicatos e associações de trabalhadores e empresários
    Desenvolvidas campanhas e ampliada a fiscalização contra discriminação racial nas relações trabalhistas

    Bolsonaro propõe criar uma carteira de trabalho alternativa, de cor verde. Com ela, o regime de contratação seria mais flexível e os contratos de trabalho teriam maior força do que a CLT – desde que respeitados os direitos constitucionais. Além disso, a geração de emprego viria por meio do crescimento econômico e reequilíbrio fiscal, do estímulo ao investimento privado e pela criação de um ambiente favorável ao empreendedorismo.

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    Geração de Emprego
    Bolsonaro Haddad
    Ambiente favorável ao empreendedorismo Criação do Plano Emergencial de Empregos, com foco em jovens;
    Geração de emprego por meio do crescimento econômico e reequilíbrio fiscal (menor déficit fiscal, dívida decrescente e juros menores) Agenda Nacional do Trabalho Decente para a juventude;
    Estímulo ao investimento Retomada imediata das obras inacabadas em todo o país, selecionadas por importância estratégica regional, bem como as pequenas iniciativas no plano municipal;
    Retomada dos investimentos da Petrobras;
    Retomada do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV);
    Reforçar os investimentos no programa Bolsa Família, incluindo aqueles que voltaram à pobreza com o golpe;
    Criação de linhas de crédito com juros e prazo acessíveis, que busquem atender as famílias que hoje se encontram no cadastro negativo;

    “O PT vai tirar dinheiro de onde?”, critica a economista Dorothea Werneck, ex-ministra do Trabalho, entre 1989 e 1990, e ex-ministra da Indústria e do Comércio, entre 1995 e 1996. “Retomar obras paradas é o óbvio ululante, mas com essa crise fiscal, com que dinheiro vai contratar empreiteiras, trabalhadores? Não há outra forma para voltar a gerar emprego, senão a criação de um ambiente favorável. Não é possível criar plano emergencial, para obrigar empresário a contratar jovens”, reclama.

    Estatais e privatizações

    Outro ponto de antagonismo entre as duas candidaturas diz respeito aos papel das estatais e o pensamento sobre privatizações. O plano de Haddad é enfático: todas as privatizações em cursos serão suspensas. Além disso, o petista fala sobre o impedimento da venda de terras e recursos naturais a estrangeiros, como óleo do pré-sal e água. Já o plano de Bolsonaro fala em uso do BNDES para agilizar privatizações, venda de propriedades imobiliárias da União. Contudo, faz a ressalva de que estatais estratégicas serão preservadas. O tema também foi alvo de declaração pública do capitão, o que desagradou ao mercado. Bolsonaro prometeu limitar as privatizações da Petrobras e da Eletrobras.

    Privatizações
    Bolsonaro Haddad
    BNDES terá papel central na desestatização Suspender a política de privatização de empresas
    Privatizar para equilibrar as contas públicas – Espera-se reduzir em 20% a dívida pública Impedir a venda de terras, de água ou recursos naturais para estrangeiros
    Uso do dinheiro para pagamento de dívida
    Aumento da competitividade
    Utilização de Golden Shares
    Venda de propriedades imobiliárias da União
    Estatais estratégicas serão preservadas
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    Sobre a petroleira, o programa petista fala em retomar a antiga política de preços dos combustíveis – desatrelado do mercado internacional – sob o argumento de que os preços internacionais são mais altos que o produto nacional. Além disso, fala em verticalizar a empresa, que trabalharia com igual foco nas áreas de exploração, produção, transporte, refino, distribuição e revenda de combustíveis. Isso é justamente o contrário do que Bolsonaro pensa (ao menos no papel). Seu plano prevê a manutenção dos preços internacionais para combustíveis, com a criação de um mecanismo financeiro para suavizar as oscilações. Fala também em discutir tributos estaduais incidentes sobre os combustíveis. Quanto à abrangência da Petrobras, o programa indica que as áreas de refino, varejo e transporte da estatal seriam vendidas. Por fim, observa que as exigências de conteúdo local seriam retiradas.

    Petrobras
    Bolsonaro Haddad
    Preços internacionais para combustíveis Reorientação da política de preços (preços internacionais são mais caros que o produto nacional);
    Criação de mecanismo de hedge para suavizar flutuações; Verticalização da Petrobras – exploração, produção, transporte, refino, distribuição e revenda de combustíveis;
    Discussão sobre incidência de tributos estaduais sobre os combustíveis
    Maior competição no setor de óleo e gás;
    Venda de refinarias, varejo e transporte da Petrobras;
    Uso maior de gás natural na matriz energética
    Remoção gradual das exigências de Conteúdo Local

    “Como um todo, a proposta do Bolsonaro é uma formulação liberal, mas, talvez, genérica demais. Vejo essa epopeia bolsonarista como algo que, ao passar do tempo, precisará de colaboração para que se encontre esse modelo mais liberal – que nunca houve no Brasil”, diz Raul Velloso. “A proposta do PT é desprovida de linha de pensamento econômico. É uma proposta formada a partir de chavões que a esquerda mais extremada vem repetindo ao longo dos anos”, conclui.

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