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O open banking está pronto e deve revolucionar o sistema bancário

Programas de pagamentos como o PIX e plataformas de open banking prometem mudar a vida financeira dos brasileiros a partir de novembro

Por Josette Goulart, Luisa Purchio Atualizado em 4 jun 2024, 15h46 - Publicado em 7 ago 2020, 06h00
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  • Quando o Uber chegou, os taxistas se revoltaram. De repente viram seu mercado ameaçado por concorrentes que cobravam mais barato, ofereciam um serviço com mais qualidade e ainda ofertavam água e bala de graça aos clientes. Teve carreata, tentativa de leis para barrar os aplicativos e choradeira. Não adiantou, o consumidor gostou do serviço. Os taxistas não tiveram escolha além de aceitar e se adaptar. Pois uma revolução nos mesmos moldes está prestes a acontecer no sistema bancário brasileiro, gestada em plena pandemia, que levará as instituições tradicionais a mudar a forma de relacionamento com seus correntistas — sob risco de acabarem como os antigos taxistas. Termos como PIX, API e open banking vão mudar radicalmente a forma como as pessoas e as empresas realizam suas transações financeiras em um prazo já definido pelo Banco Central, a partir de novembro.

    O PIX, a primeira inovação a ser lançada pelo BC, é a nova TED, com a diferença de que funcionará 24 horas por dia, sete dias por semana. O novo sistema, que poderá ser utilizado a partir do celular, promete alterar diretamente a forma como as pessoas pagam suas contas e fazem suas compras, pois elimina a necessidade de dinheiro ou de cartão de débito ou crédito. Com o uso do sistema, o custo de operação das empresas de telefonia, água e luz, entre outras, também cai, porque o PIX elimina a necessidade de emissão de boletos físicos. O sistema de pagamento instantâneo, entretanto, é apenas o começo de um processo que culminará em outra novidade, o open banking. Essa é a inovação mais radical, pois permitirá que os clientes tenham acesso a seus dados e histórico financeiro (hoje eles são mantidos pelos bancos) e compartilhem com qualquer instituição regulada pelo Banco Central. A tecnologia por trás dessa plataforma aberta é chamada API. O modelo de funcionamento é comparável a um site que permite que o usuário se cadastre via Facebook ou Google, o que gera o compartilhamento dos dados. No caso do open banking, o cliente poderá esco­lher quais informações quer compartilhar e com quais empresas. Com isso, poderá optar por aquelas que ofereçam condições e taxas mais vantajosas para os serviços que lhe interessem. As mudanças são tão significativas que deixam eufóricos representantes de entidades setoriais como Cláudio Guimarães, diretor executivo da ABBC, associação que defende os interesses de bancos de pequeno e médio porte. “O custo vai cair muito. Finalmente o cliente será rei”, comemora.

    Obviamente, clientes com histórico de maus pagadores terão dificuldades em um sistema que promete tal grau de transparência. A expectativa é que, no auge do funcionamento do open banking, todos os dados estejam disponíveis em um único aplicativo. Caso uma pessoa queira comprar uma casa maior, por exemplo, basta acessar a plataforma e conferir todos os bancos com financiamentos disponíveis para seu perfil financeiro e sob quais condições. “O open banking é a integração de toda a vida econômica em um só lugar, como conta-corrente, poupança, aplicações, compras e meios de pagamento, de forma que se pode avaliar e negociar do mesmo jeito que se faz hoje nas compras a crédito no varejo”, diz Pietro Delai, executivo da consultoria IDC.

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    Para os bancos pequenos e médios e as fintechs que têm dificuldades para fazer análises de crédito mais consistentes, o open banking abre uma avenida de oportunidades. Com a abertura dos dados pessoais, é como se um banco pudesse entrar no sistema de um concorrente e saber tudo sobre o cliente que ele quer conquistar. A Stone, uma fintech que nasceu como operadora de máquinas de cartões e hoje concede crédito a pequenas empresas, já está operando na tecnologia do open banking. Seus clientes podem fazer pagamentos de folha de salários, contas de luz, água, fornecedores, tudo de forma automática, sem o processo manual, via API. Quando a abertura de dados efetivamente acontecer, a Stone já estará com um produto mais bem-acabado.

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    Em relação aos bancos tradicionais, há vantagens e desvantagens em igual medida. No primeiro caso, a disputa pelos clientes com concorrentes menores será atroz. No segundo, é que terão acesso a dados de clientes de outros grandes bancos, que até então não estavam disponíveis. O maior problema que enfrentarão é de natureza tecnológica. Os grandes bancos brasileiros funcionam com sistemas antigos herdados de suas dezenas de aquisições. “É como se eles estivessem numa corrida de 100 metros rasos carregando uma bigorna”, compara Rafael Stark, fundador da fintech Stark Bank, empresa que já nasceu aberta e que opera a tecnologia de API com clientes como o Rappi. Em meio ao processo de implantação do open banking, algumas instituições chegaram a pleitear a alteração do cronograma por não terem condições de atualizar suas plataformas digitais a tempo, mas o Banco Central manteve regras e prazos. A primeira fase começa em novembro, com dados públicos das próprias instituições. Depois serão abertas informações dos clientes e, em outubro de 2021, começam a ser oferecidos produtos em plataformas abertas.

    O acirramento da concorrência com as fintechs não é a única dificuldade no horizonte dos bancos tradicionais. Startups como o Nubank, que rapidamente conquistaram milhões de clientes, chegaram a preocupar os bancos em um primeiro momento, mas o incômodo passou rápido. O problema é que as empresas de tecnologia — e nesse caso se incluem as gigantes como Apple, Google e Facebook — também vão entrar na concorrência. “É questão de tempo, ainda mais que elas já estão acostumadas a lidar com plataformas abertas”, avalia o consultor Cezar Taurion, ex-­executivo da IBM. As três big techs, por sinal, já possuem seus próprios sistemas de pagamento, sendo o WhatsApp Pay o mais novo do trio. As empresas de telefonia também prometem entrar no jogo. A Claro já tem tudo pronto para lançar a própria fintech e deu o primeiro passo ofertando crédito, nos moldes do que já fez a Vivo. A multinacional de origem mexicana não se posiciona oficialmente sobre essa nova ofensiva, mas o diretor da operação brasileira, Maurício Santos, diz que o open banking abre a possibilidade para a entrada de outros setores da economia. Obviamente, Bradesco, Itaú e Santander, os principais bancos privados do país, guardam a sete chaves os planos para o embate. E terão de ser ágeis, uma vez que os concorrentes já estão com a faca entre os dentes.

    Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699

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