Após quase dezoito horas de sessão, a Câmara dos Deputados fracassou na tentativa de concluir a votação da Medida Provisória (MP) dos Portos. O esvaziamento do plenário, somado a uma tenaz obstrução dos oposicionistas e de parlamentares de PMDB e PP, levou o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a encerrar os trabalhos às 4h54 desta quarta-feira. Ainda restavam quatorze destaques a serem analisados. Alves convocou nova sessão para as 11 horas, mas o clima na Câmara é de que a aprovação da Medida Provisória se tornou muito difícil.
A MP dos Portos permite a construção e operação de terminais portuários pela iniciativa privada, de forma a reduzir um dos principais gargalos do setor de infraestrutura. O texto, que perde a validade na quinta-feira, ainda precisa seguir para o Senado, onde também deve enfrentar resistência da oposição. Por isso, o risco de a MP perder os efeitos é grande.
O presidente da Câmara ainda não desistiu: diz que é possível que Câmara e Senado aprovem o texto a tempo. Mas reconhece as dificuldades que enfrentou na sessão concluída na madrugada desta quarta: “Era muito difícil porque, com um volume desses de destaques, encaminhamentos, uma obstrução bem articulada pela oposição e muitas manobras, realmente era um esforço sobrenatural de se alcançar quórum em todas as votações”, disse Henrique Eduardo Alves após a votação.
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Mesmo que o Senado chegue a votar a proposta a tempo, terá descumprido o acordo que dá um prazo de 48 horas entre o recebimento e a votação das Medidas Provisórias na Casa. O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO) – um dos responsáveis pela obstrução à MP – diz que Renan Calheiros sofreria um grande desgaste se desrespeitasse a tradição: “Se o Renan quebra um acordo desse com seus pares, perde a condição dele de governabilidade. E nenhum líder quer estar mal na sua casa”, afirma o democrata.
Na sessão que teve início nesta quarta-feira e se prolongou pela madrugada do dia seguinte, os deputados chegaram a aprovar o texto-base da medida provisória. Depois, veio a parte mais difícil: a análise de emendas ao projeto. Muitas delas eram semelhantes, e foram apresentadas pelo líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ) e outros parlamentares que queriam protelar a votação. A Câmara chegou a votar mais de dez destaques ao texto. Mas o quórum estacionou em 243 parlamentares pouco antes das 5 horas – o mínimo exigido é de 257.
Apenas uma alteração acabou aprovada: foi suprimida do artigo 15 a expressão “vedada a exclusão de área”. Na prática, isso significa que o espaço utilizado por um terminal portuário pode ser reduzido. O item alterado não é dos mais relevantes e os pontos centrais defendidos por Cunha, como o que torna possível a ampliação da área ocupada pelos portos, foram derrotados. Mas, como tática protelatória, a apresentação de diversas emendas semelhantes funcionou.
O líder do PT, José Guimarães (CE), se negou a admitir a derrota: “O governo foi vitorioso. Nós impedimos a desconstituição da MP. Se não fosse a obstrução sem critério feita por alguém que quer derrubar a MP porque não quer investimento nos portos públicos, nós teríamos concluído”, diz ele. Por outro lado, o petista reconhece as defecções na base aliada: “Todo o país sabe que nós tivemos problema, nessa matéria, com a base: com o PMDB e o PP. Mas isso faz parte do jogo e tem que ser encarado com naturalidade”, diz Guimarães.
Esforço – A ideia original dos defensores da medida provisória era aprovar a proposta na Câmara ainda na terça, para que o Senado pudesse proceder a leitura do texto antes da meia-noite. Isso permitiria a votação do texto pelos senadores já nesta quarta, um dia antes de a MP perder a validade. O esforço para evitar que a MP caducasse envolveu também o Senado, onde o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) anunciou às 19h17 que a sessão estava sendo prorrogada em cinco horas – prática incomum na Casa -, numa tentativa de dar tempo para a Câmara aprovar a proposta e enviá-la à Casa vizinha. Senadores governistas se revezavam em longos discursos na tribuna até que, pouco antes das 23 horas, quando ficou claro que a estratégia seria inútil, a sessão acabou encerrada.
Já antes da meia-noite, Silvio Costa (PTB-PE) – contrário à medida – comemorava da tribuna o que acreditava ser a impossibilidade de aprovação da MP: “O Brasil foi salvo, totalmente salvo, porque a MP foi um atraso pra o país”, afirmou. O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), também se opôs à proposta por causa das suspeitas, lançadas por Anthony Garotinho (PR-RJ), de que houve negociações ilícitas para a inclusão de emendas na proposta.”A aprovação da MP é a materialização da falcatrua de alguém”, disse o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP).
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Pressão – Após enfrentar a pressão de sindicalistas e trabalhadores portuários, que ameaçaram, ao longo de toda a discussão da MP, paralisar os principais portos do país, o Palácio do Planalto teve de lidar nos últimos dias com a pressão do PMDB. O partido aliado insistiu em alterar novamente o texto da medida provisória e foi acusado de trabalhar para atender interesses de empresários particulares. Os peemedebistas, que compõem a segunda maior bancada de deputados na Câmara (82 deputados), já haviam conseguido inviabilizar a sessão de votação na última quarta-feira e também foram cruciais – com uma ausência em massa – no baixo quórum desta segunda-feira.
Coube ao vice-presidente da República, Michel Temer, e à ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, entrar em campo para conter as pressões do PMDB e tentar enquadrar o líder do partido, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Temer foi o fiador da indicação de Cunha à liderança da sigla e tem sido recorrentemente cobrado para conter os ímpetos do aliado.
Conforme o texto aprovado pelo plenário da Câmara, no processo de modernização dos portos brasileiros, a União pode autorizar que os portos já delegados aos estados, como o Porto de Suape, em Pernambuco, continuem sob a responsabilidade dos governos locais e que esses governos possam, por exemplo, fazer licitações nos terminais. Originalmente, o Palácio do Planalto havia definido no texto da MP que a União ficaria a cargo da licitação, arrendamento e concessão de portos. O governo, mesmo pressionado pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), tratava o tema como inegociável, mas, ao longo das negociações, acabou cedendo.
Ainda de acordo com o conteúdo ratificado pelos parlamentares, poderão ser criados terminais-indústria destinados exclusivamente a companhias que têm carga própria suficiente para operar este tipo de porto. Também está garantido no texto a liberação do setor para os portos privados, sem a exigência de movimentação exclusiva de carga própria.
Direitos trabalhistas – Segundo o texto principal da MP dos Portos, ainda estão asseguradas, por exemplo, propostas como a não contratação de mão-de-obra temporária no caso de capatazes, estivadores, vigilantes de embarcações e pessoas responsáveis por conferência e conserto de carga; a implantação da renda mínima, que funcionará como uma espécie de seguro-desemprego do trabalhador avulso que não estiver empregado, além de um regime de aposentadoria.
Mesmo com um acordo construído em rodadas preliminares de negociação com trabalhadores e sindicalistas, houve nesta terça-feira paralisações de trabalhadores nos portos do Rio de Janeiro, Santos, Belém, Manaus, Paranaguá e Recife. Presentes no plenário da Câmara dos Deputados, os trabalhadores pressionam para a aprovação de uma alteração no texto da MP que garanta que, tanto em portos públicos como nos novos terminais privados, a contratação de mão-de-obra inclua estabilidade no emprego.