O projeto de lei aprovado no Senado na última quarta-feira que libera a cobrança de preço diferenciado para pagamentos feitos com dinheiro é um retrocesso nas relações de consumo, na opinião de especialistas ouvidos pelo site de VEJA. Atualmente, estabelecimentos comerciais não podem dar descontos para pagamentos feitos à vista ou em dinheiro. Mas o projeto do senador Roberto Requião (PMDB-PR) prevê a volta da regra antiga.
O site de VEJA ouviu diversos especialistas e não conseguiu coletar opiniões favoráveis ao projeto. O principal argumento é que a medida estimula o uso do dinheiro em espécie, num momento em que a tecnologia caminha para o pagamento móvel, feito por smartphone, considerado muito mais seguro do que carregar grandes quantias na carteira. Para Fabíola Meira, do Departamento de Direito de Relações do Consumo do Braga Nascimento e Zilio Advogados, a diferenciação de preços no pagamento em dinheiro e cartões contraria o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe os lojistas de repassarem a seus clientes despesas de serviços contratados, como as taxas cobradas por operadoras de cartão. “O comerciante não pode repassar ao consumidor os custos de incremento de sua produtividade; ele contrata o cartão para ser um atrativo de seu estabelecimento”, diz.
Alexandre Modonezi, diretor executivo do Procon-SP, acredita que deve caber ao cliente decidir qual forma de pagamento é melhor para ele. “Incentivar que as pessoas se dirijam ao banco, efetuem saques e paguem em dinheiro não faz sentido”, afirma. Ele cita dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) que mostram que a adesão a cartões já engloba 76% da população economicamente ativa. Ainda segundo a associação, os meios eletrônicos de pagamento já respondem por metade do volume financeiro gasto por mês no Brasil, o que mostra a preferência por cartões em todas as faixas de renda. “É equivocado o projeto afirmar que tem o objetivo de beneficiar pessoas de baixa renda, pois todos têm acesso a meios de pagamento eletrônicos”, afirma Modonezi.
Uso de cartões por faixa de renda
Abecs
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Não se sabe até que ponto os custos administrativos de cartões já estão embutidos nos preços, independentemente da forma de pagamento, mas especialistas alertam que a diferenciação poderia ainda levar lojistas mal intencionados a, em vez de dar desconto para compras à vista, em dinheiro, elevar o preço para pagamentos em cartão.
Requião (PMDB-PR) defende que a diferenciação pode ajudar na inflação. “Não se pode obrigar uma pessoa pobre que ganha um salário mínimo pagar de 7% a 11% a mais porque o Senado se recusa a votar (a proposta)”, afirmou, logo após a aprovação do texto. O projeto, que visa sustar os efeitos da Resolução nº 34/89 do extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, ponto que proíbe a prática (diferenciação), ainda passará pela análise da Câmara dos Deputados.