A incapacidade de sentir algum tipo de empatia em relação às dores da população é um dos principais problemas de parte do empresariado brasileiro. Não bastam os hospitais lotados para tocar o coração de alguns, cuja ameaça às bufunfas pesa mais do que vidas perdidas. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou no início da semana o lockdown em dez cidades do estado, entre elas a capital, Belém, para tentar controlar o avanço da doença. Só nesta quarta-feira, 6, 758 novos casos foram confirmados no estado, que assistiu 35 mortes somarem-se às estatísticas frias, que já somam 410 óbitos e 5.524 casos confirmados de coronavírus. O estado foi o segundo a adotar medidas mais duras para fomentar o isolamento social, depois do Maranhão também decretar regras mais rígidas no início da semana em quatro cidades.
A letra fria dos números não pareceu emocionar o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes. Depois de participar de uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, na manhã desta quinta-feira, 7, ao lado de dezenas de outros representantes de setores da economia do país, Lopes acompanhou o presidente e a equipe num périplo a pé ao Supremo Tribunal Federal (STF) para “relatar” a realidade da economia brasileira ao presidente da Corte, Dias Toffoli. Depois do apelo a Toffoli, o empresário reclamou publicamente que “a indústria está na UTI” e “precisa sair”, argumentando que as fábricas estão operando com até 60% de ociosidade. “Para isso, precisa que aconteçam as flexibilizações”, disse ele.
O discurso parece ter comovido Bolsonaro, que admitiu classificar, por decreto, outras atividades econômicas como essenciais. “Acabei de assinar decreto aqui colocando nesse rol de atividades essenciais a construção civil. Outras virão nas próximas horas ou nos próximos dias”, disse ele, à porta do STF. No último dia 29, Bolsonaro ampliou a lista de atividades econômicas essenciais autorizadas a funcionar durante o período de enfrentamento da pandemia: indústrias químicas e petroquímicas, de artigos relacionados a saúde, higiene, além dos produtores de alimentos e bebidas, além da mineração, siderúrgicas e fabricantes de alumínio, vidro e cerâmicas.
A caminhada em direção à Corte foi resultado de uma pressão do setor industrial junto ao Palácio do Planalto. Parece ter dado certo. Depois de ouvir os apelos, o ministro Dias Toffoli propôs a criação de um comitê que reunirá representantes dos três poderes e do empresariado, para discutir as medidas de mitigação e saídas para os setores empresariais. “Eu penso que é fundamental esse trabalho de coordenação para que possamos pensar na retomada”, disse Toffoli. “Nós temos um parque industrial que é raro no mundo, produzimos do brinquedo ao aço”, afirmou. “Parece pouco tempo, mas já são dois meses que vivemos isso e precisamos pensar na saída”, reconheceu.
No último dia 15 de abril, a Coalizão Indústria, que reúne representantes do setor, presidida por Lopes, endereçou uma carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, com uma série de demandas para garantir a sobrevivência da indústria, argumentando pela liberação mais rápida de crédito por parte do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, “sob pena de uma profunda, e de difícil reversão, desestruturação do tecido produtivo”. “Senhor Ministro Paulo Guedes, sem crédito fluindo, todas as medidas econômicas tomadas até agora serão inócuas”, argumentam as empresas. “Com o perdão do prosaico, seria o equivalente a conseguirmos respiradores para todos que precisarem e asfixiá-los logo mais adiante”, argumentam, com uma analogia funesta. “Ao que tudo indica, seremos competentes em atravessar a primeira onda, da saúde, com sucesso, salvando a vida de muitos brasileiros, o que é absoluta prioridade”, apelam os empresários. Mas os números não corroboram com os apelos.
Os empresários que acompanharam Bolsonaro foram: Fernando Valente Pimentel, da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Synesio Batista da Costa, da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), José Ricardo Roriz Coelho, da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria de Plástico), José Velloso Dias Cardoso, da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), Elizabeth de Carvalhaes, da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), Haroldo Ferreira, da Abicalçados (Associação Brasileira da Indústria de Calçados), Ciro Marino, da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), José Jorge do Nascimento Junior, da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), Paulo Camilo Penna, do Snic (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento), José Rodrigues Martins, da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Reginaldo Arcuri, da FarmaBrasil (associação que reúne as principais empresas da indústria farmacêutica brasileira), José Augusto de Castro, da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), Marco Polo de Mello Lopes, da Coalizão Indústria, Humberto Barbato, da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) e um representante da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).
O número de casos e mortes aumenta exponencialmente dia após dia e, alertam especialistas, o Brasil ainda não atingiu o pico de infecções da doença. Nos últimos dois dias, o país sucumbiu à notícia de números recorde de óbitos em 24 horas, com 600 mortes na terça-feira, 5, e outras 615 na quarta-feira, 6. São mais de 126 mil casos confirmados da doença em território brasileiro. Apesar do comportamento errático de Bolsonaro em relação às políticas de isolamento determinadas por governadores, a posição do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, alertou nesta quarta-feira sobre os riscos de ser necessário retornar ao confinamento, caso os países que estejam deixando as restrições para combater a pandemia de coronavírus não administrem as transições “com muito cuidado e em uma abordagem em fases”. Ou seja: quanto mais rígidas as políticas de isolamento, mais cedo a atividade econômica poderá fluir com certa normalidade. Para uma liberação mais rápida com segurança, só falta combinar com o vírus.