A proposta de aquisição da empresa de alimentos Heinz (famosa no Brasil por seu catchup) pelo bilionário Warren Buffett e pela empresa de investimentos brasileira 3G Capital surpreendeu o mercado na manhã desta quinta-feira, quando todos os olhares estavam voltados para a fusão entre a American Airlines e a US Airways – anunciada, praticamente, ao mesmo tempo. Mas a surpresa não ocorreu em consequência do anúncio em si, já que a Heinz era uma espécie de “noiva da vez” do setor de alimentos e bebidas. O fato novo e curioso é a parceria entre Buffett e a 3G, fundada pelo trio de empresários controladores da Ambev – Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Trata-se de um negócio da ordem de 28 bilhões de dólares, o maior do ano e o quarto maior da história do setor de alimentos e bebidas, segundo a Thomson Reuters.
O valor é mais que o dobro daquele estimado na negociação de fusão das companhias aéreas – que ficará em torno de 11 bilhões de dólares e criará a maior empresa mundial do setor de aviação. Trata-se do maior negócio de Warren Buffett desde a aquisição da ferrovia Burlington Northern Santa Fe por mais de 25 bilhões de dólares, em que o empresário atuou sozinho. Essa, aliás, é uma característica de Buffett. Em raras ocasiões o bilionário se uniu a uma outra empresa para fazer uma aquisição. Por essa razão, a sociedade com a 3G se torna emblemática. É uma espécie de chancela à gestão do trio, que adquiriu, em 2010, a rede de fast food Burger King por 3,3 bilhões de dólares. “A 3G não é novidade para o Buffet. Eles se conhecem há muito tempo e o Buffet acompanhou o que eles fizeram com a Ambev e, mais recentemente, com o Burger King”, afirma Flavio Sznajder, sócio da gestora Bogari Capital, sediada no Rio de Janeiro.
Lemann e Buffet, de fato, são velhos conhecidos. Ambos eram acionistas e membros do conselho de administração da Gillette, antes de a empresa ser adquirida pela Procter & Gamble, em 2003. O bilionário norte-americano contou à rede CNBC, nesta quinta-feira, que Lemann iniciou as conversas sobre a aquisição. “Jorge Paulo Lemann falou comigo sobre isso no começo de dezembro, quando estávamos no avião. E eu ouvi. Eu tenho um relatório sobre a Heinz desde 1980. Mas foi ele que me colocou nesse negócio no começo de dezembro”, afirmou o megainvestidor, enquanto explicava alguns detalhes da transação. “Sabe, esse é o meu tipo de negócio e o meu tipo de sócio”, disse Buffett.
De acordo com os detalhes divulgados nesta quinta, a 3G assumirá a gestão da Heinz – empresa amplamente conhecida por sua ineficiência. O blog de gestão do jornal The Wall Street Journal publicou um artigo, nesta tarde, questionando se a Heinz receberá “o tratamento brasileiro” típico do trio de empresários. “Orçamento zero, fechamento de fábricas e controle de gastos fizeram da InBev uma cervejaria com reputação de extrema eficiência”, afirmou a publicação, referindo-se à AB-Inbev, a multinacional controladora da Ambev, da qual Lemann, Telles e Sicupira são acionistas. “Será interessante ver se o Sr. Lemann vai conseguir dar o ‘toque brasileiro’ à Heinz”, diz o artigo.
O modelo de gestão criado por Jorge Paulo Lemann foi inspirado no do banco Goldman Sachs e ganhou fama nos tempos que o empresário fundou o banco Garantia, na década de 1980. Quando a instituição foi vendida, Lemann levou seu modelo para as empresas que comprou, como a própria Ambev. Ele é baseado em três pilares essenciais: estrutura de trabalho extremamente enxuta, eficiência operacional e meritocracia.
Diante do êxito obtido pela 3G na gestão do Burger King – a rede, assim como a Heinz, estava altamente endividada quando foi adquirida -, poucas são as vozes dissonantes sobre a capacidade da 3G em transformar a Heinz em exemplo de eficiência e produtividade. “A 3G é brilhante e tem feito sempre a coisa certa, de forma consistente e dentro das regras de mercado”, diz Luiz Galeazzi, da consultoria de gestão Galeazzi & Associados.
Especialistas do mercado acreditam que, depois de melhorar a gestão da empresa, a 3G deverá, no futuro, vendê-la para o próprio Buffett ou fazer uma emissão acionária em bolsa – estratégia comum para fundos de private equity. “A 3G é uma firma muito discreta, que só ficou conhecida depois da aquisição do Burger King. Ela tem a mesma filosofia de atuação do Buffett. É a típica companhia que ele gosta de ter ao lado”, diz o analista da Economist Intelligence Unit (EIU), Steven Leslie.