A declaração do presidente eleito Jair Bolsonaro sobre o país ter uma legislação trabalhista que se aproxime mais da informalidade preocupa especialistas no assunto. Os direitos trabalhistas, como FGTS, salário mínimo e proteção contra demissão sem justa casa, estão previstos no artigo 7º da Constituição e não podem ser alterados por emenda.
Em reunião com parlamentares do DEM no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), Bolsonaro disse que seu governo deve trabalhar no sentido de afrouxar os direitos trabalhistas.“No que for possível, sei que está engessado no artigo sétimo (da Constituição), mas tem que se aproximar da informalidade”, disse.
Bolsonaro voltou a repetir que ser patrão é um tormento no Brasil, onde há direitos demais e empregos de menos. E defendeu que as empresas sejam tratadas como amigas.
Para Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (associação dos juízes trabalhistas), é preciso entender com clareza o que o presidente eleito quis dizer. “Para mim, a afirmação não ficou clara. Uma legislação próxima da informalidade é uma contradição, pois a informalidade não tem leis. A reforma trabalhista caminhou justamente no caminho da informalidade, ao criar contratos mais flexíveis, como o intermitente.”
Na avaliação do presidente da Anamatra, aumentar a informalidade é um equívoco, pois tira a eficiência da economia. “Com mais informalidade, não conseguimos ter condições para expandir o crédito. Ter uma legislação que se aproxime da informalidade não parece um bom caminho para um país que pretende voltar a crescer.”
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, criticou a declaração de Bolsonaro. “Bolsonaro deixa claro o que quer: retirar direitos dos trabalhadores e agradar os “pobres” patrões, tão prejudicados em nosso país! Deixa claro de que lado da balança está: do empresariado!”
O presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que ele mostra que vai intensificar a reforma trabalhista. “Ele quer oficializar o bico, flexibiizar totalmente o direito dos trabalhadores. Não é para gerar emprego, mas para precarizar o trabalho.Ele quer regularizar aquilo que o empresário faz de ilegal há anos no país.”
A advogada Mariana Machado Pedroso, responsável pela área trabalhista do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados, diz que “o alegado entrave pelo presidente eleito (o artigo 7º da Constituição, seria juridicamente intransponível sem que houvesse a convocação de uma nova Assembleia Constituinte”.
Segundo ela, o artigo 7º da Constituição traz direitos e garantias individuais que não podem ser alterados por emenda, de acordo com o artigo 60, parágrafo 4º da Constituição.
O advogado Luis Fernando Riskalla, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, diz que as declarações de Bolsonaro devem ser vistas com “muita cautela”. “As relações de trabalho são muito amplas e, embora tenha sido atualizada em 2017, a legislação trabalhista ainda é muito complexa.”
Um dos obstáculos que Bolsonaro vai enfrentar, ressalta Riskalla, são as garantias constitucionais que não podem ser meramente suprimidas por uma reforma na legislação ordinária. “Embora seja óbvio que a legislação precise de aperfeiçoamentos, não se pode esquecer das garantias constitucionais mínimas.”
Bárbara Priscila, especialista em direito trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados, afirma que a informalidade não é solução para as questões trabalhistas, ‘mas sim a flexibilização das relações laborais e uma revisão quanto aos encargos tributários relativos às contratações formais’. “Entendo que deve haver uma maior flexibilização nas relações de trabalho, para que haja um equilíbrio entre empregado e empregador, o que buscou a reforma trabalhista. No entanto, deve haver cautela para que os direitos básicos dos trabalhadores não sejam relativizados”, afirmou.