Teve clima aparentemente descontraído o encontro entre José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina, o apresentador e empresário Silvio Santos e o prefeito de São Paulo, João Doria, realizado em agosto na sede do SBT (confira com exclusividade a íntegra da reunião, abaixo). Doria se propôs a mediar o conflito de interesses entre Zé Celso, que deseja construir um parque com teatro ao ar livre no terreno que rodeia o Oficina, no Bexiga, região central de São Paulo, e Silvio, que é dono do espaço e quer erguer ali três torres residenciais de mais de cem metros de altura cada uma. Doria propôs uma solução intermediária: que se faça no local um “polo cultural” e um “mall”, disse, sugerindo um pequeno shopping no lugar, entre outras possibilidades de empreendimento privado — e citando uma das muitas palavras disparadas por ele em inglês durante a reunião. A contenda entre Silvio Santos e o Teatro Oficina, que já tem 37 anos, ganhou novo capítulo na semana passada, quando o Condephaat — órgão estadual de defesa do patrimônio – reverteu uma decisão de 2016 que proibia as obras da Sisan – braço imobiliário do grupo Silvio Santos – no terreno em torno do teatro.
“Zé, ninguém vai te dar o terreno”, diz Silvio Santos, em certo momento, a José Celso. “Eu paguei por aquele terreno. Embora eu seja um homem rico, não é um dinheiro para mim (sic) jogar fora.” Pouco depois, Doria, que iniciou a mediação dizendo que a preservação do Oficina era a prioridade, pondera que Silvio Santos tinha razão. “Amores à parte, vamos tentar encontrar uma solução. Está todo mundo aqui numa boa vibe. A preservação do Oficina, ao meu ver, é o mais importante”, afirma o prefeito no início. Mais adiante, diz que é preciso “encontrar uma equação” que “atenda primeiro o proprietário do terreno, que é o Silvio”. “Estamos aqui para encontrar um caminho. Esse que você sugere, Zé Celso, é o mais difícil. Envolve a aprovação da Câmara, eu não posso fazer isso sozinho. E envolve muito dinheiro. Só o Parque Augusta custa 12 milhões. A prefeitura não tem dinheiro, o parque vai ser feito com apoio da iniciativa privada.”
João Doria se refere à proposta, feita pelo Teatro Oficina com apoio do Ministério do Planejamento, de uma permuta com Silvio Santos: ele trocaria o terreno em torno do teatro por um escolhido de uma lista de noventa que teriam sido ofertados pelo ministério. Com a permuta, o terreno em torno do Oficina passaria à cidade de São Paulo. “Não é uma equação simples, por mais que a relação entre União e Município seja boa, porque envolve uma terceira parte.”
Silvio Santos também rejeita a ideia. Impaciente, enquanto uma das arquitetas ligadas ao Oficina, Marília Gallmeister, apresenta o projeto do teatro para o terreno e conta que o parque cultural já estava nos planos da arquiteta Lina Bo Bardi (a mesma do Masp e do Sesc Pompeia), que morreu antes de concluí-los, ele interrompe e diz, virando-se para Zé Celso, ao seu lado: “Vamos parar de falar de amenidades. Como você vai pagar por esse parque? Deixa de ser sonhador”.
Pouco adiante, a outra arquiteta ligada ao Teatro Oficina, Carila Matzenbacher, explica que o projeto do Oficina prevê uso parcial do terreno pela iniciativa privada. “Nosso projeto prevê um empreendimento. Não com essa palavra, que é um pouco dura para nós. O que nos preocupa no projeto do Silvio é a escala”, diz, citando a altura das torres residenciais. Marília pouco antes havia dito: “O Bexiga é um bairro de artesãos. Um empreendimento desses pode gerar um processo de gentrificação que não é interessante.”
Silvio Santos, que mantém o tom bem-humorado do começo ao fim, parece não se abalar em nenhum momento. Nem Guilherme Stoliar, seu sobrinho e braço direito, que em dado momento questiona José Celso: “Se você tem noventa terrenos à disposição para trocar, por que não faz o teatro em um deles?” Um dos pontos defendidos pelo Teatro Oficina, no confronto com Silvio Santos e a Sisan, é a construção de Lina Bo Bardi, arquiteta que vem sendo festejada dentro e fora do país. O prédio do Teatro Oficina foi tombado em 2010 pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Em outro momento, Zé Celso, insatisfeito com a proposta das altas torres em torno do teatro, apela para o legado que devem deixar para a cidade de São Paulo. “A gente tem de pensar na cidade, cara. Eu tenho 80 anos, você tem 86, daqui a pouco a gente some do mapa”, diz o diretor, ao que Silvio Santos rebate com mais uma piada. “Eu não vou morrer. Se quiser morrer, pode morrer.”
Visivelmente abatido, Zé Celso tenta se mostrar animado em alguns momentos. Ele gesticula em muitos trechos e num deles quase derruba o café que uma funcionária do SBT está servindo. Ele tem ao seu lado o vereador petista Eduardo Suplicy, apoiador da causa do Teatro Oficina que arquitetou o encontro. A reunião contou também com os secretários municipais de Urbanismo e Licenciamento, Heloísa Penteado, que permanece calada todo o tempo, e de Cultura, André Sturm, que fala uma única vez, em tom favorável ao Teatro Oficina.
Confira a reunião nos vídeos abaixo:
José Celso chega atrasado à reunião, depois de o taxista se perder para encontrar a sede do SBT, na rodovia Anhanguera
No segundo vídeo, Silvio Santos fala, em tom de brincadeira, de dar o terreno para a cracolândia (“drogalândia”):
Quando José Celso diz que não é proprietário do prédio do Teatro Oficina, que pertence ao Estado de São Paulo, mas está lá há sessenta anos, Silvio Santos responde em tom de ameaça. “Estar lá há sessenta anos não é nada. Tem favelado que está há sessenta anos e, se mandam tirar, no dia seguinte.”
Zé Celso: “A cidade precisa de corredores culturais. É uma outra ótica. Tem a ótica do dinheiro, essa é outra ótica”. Silvio Santos: “Não tem cabimento você ter para você uma coisa que não pertence a você”.
Doria: “Se fizermos um misto, com polo cultural, teatro open air, e um empreendimento privado, com varejo, hotel, residencial, esse empreendimento pode alimentar o polo cultural. Na América tem muito disso. Na Europa, também”.