O minimalismo das passarelas até o fim dos anos 1970 dava sono e não combinava com a efervescência do mundo. Mas então surgiu o traço do estilista francês Thierry Mugler, que dominaria as coleções, mudaria as revistas de moda e chegaria ao cinema e aos clipes de músicas. Mugler, nascido de uma família burguesa parisiense como tantas outras, revirou o estilo do avesso. Misturou quadrinhos com tecnologia, aplicou uma paleta de cores inacreditável e colou a seus modelos um tanto de sadomasoquismo. Em seus shows, nos anos 1980 e 1990 — sim, shows! — desfilaram nomes como Grace Jones, Jerry Hall, Linda Evangelista e a brasileira Betty Lago, uma de suas musas. Além, é claro, do camaleão David Bowie.
A silhueta de Mugler era um triângulo invertido caracterizado por ombros gigantes, estruturados, e cintura marcada. Adorava látex, couro e curvas. Recentemente aderiram ao corte facilmente reconhecível, marca registrada como poucos puderam exibir em sua profissão, personalidades voluptuosas como Kim Kardashian e Beyoncé. Muito antes de ouvirmos falar em identidades queer e não binárias, ele vestiu mulheres como homens e vice-versa. “Depois disso, os adolescentes sempre se questionaram sobre seu papel, recusando-se a ser rotulados pela sociedade”, disse à revista Vogue. “Portanto, é bom que hoje eles tenham os meios para se questionar em alto e bom som — e que os deixemos em paz.”
Paz, aliás, era o que Mugler, irrequieto, nunca gostou de promover, ao comprar briga com empenho — apenas pelo prazer intelectual de tirar as pessoas do conforto insosso. Provocou escândalo ao dizer que seu primeiro espanto estético associado à sensualidade fora com os trajes das freiras. Em 1985, quando começava a despontar, fez com que o então ministro da Cultura da França, Jack Lang, tirasse a gravata em uma sessão da Assembleia para vestir uma gola ao estilo de Mao, e que o costureiro disse ter sido inspirada nos índios. Lang foi vaiado. Mugler riu. “Ele queria romper com a ideia de que a alta-costura atendia apenas a uma elite e poderia ser usada por jovens, e não apenas em noites de gala”, disse Thierry-Maxime Loriot, curador de uma exposição, de 2021, dedicada à obra do estilista. O que Mugler fez foi uma revolução colada à pele, sem a qual não veríamos com olhos naturais o que usam por aí, nas ruas e festas. Ele teve, nos tecidos, impacto comparável ao da reinvenção cubista promovida por Picasso e Braque nas artes. Mugler morreu em 23 de janeiro, aos 73 anos, em Vincennes, na periferia de Paris, de causas não reveladas.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774