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Pincéis eletrônicos

Os videogames clássicos já são tratados como obras de arte de nosso tempo e passam por minucioso processo de restauração, como o de quadros e esculturas

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 Maio 2019, 07h00 - Publicado em 3 Maio 2019, 07h00

Em 2013, o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York adotou uma ruidosa postura cultural, dessas de deixar Olavo de Carvalho de cabelo em pé, ao levar para seu celebrado acervo videogames como Pac-Man, SimCity e Minecraft, que agora dividem as atenções com obras de Matisse, Picasso, Frida Kahlo e Andy Warhol. Para os curadores do MoMA, a coleção digital tem gabarito e identificação com seu tempo semelhantes aos de quadros, esculturas e instalações ali eternizados. Nas palavras da responsável pelo departamento de arqui­tetura e design da instituição, Paola Antonelli: “Jogos transmitem relevância histórica e cultural, expres­são estética, visões inovadoras de tecnologia e comportamento”. Para ela, os video­ga­mes seriam uma forma artística que leva humanos a se exprimirem por meio de pixels.

E, assim como acontece com os quadros pintados a óleo sobre tela, os consoles e computadores nos quais os jogos foram projetados envelhecem com o passar do tempo. É inexorável. A aparência de clássicos de décadas passadas pode não combinar com os mais atuais avanços tecnológicos. Os jogos antigos, quando transmitidos em televisores de alta resolução, tornam-se manchas de cores e traços esticados em imagens sem brilho e quase indistinguíveis. A boa-nova, recentíssima: há solução.

Se o homem é capaz de restaurar esculturas da Grécia antiga, por que não recuperar brincadeiras eletrônicas? No entanto, em vez de mãos humanas, são robôs que executam a tarefa. A primeira obra a ganhar nova roupagem foi Doom, de 1993, responsável por popularizar os games de perspectiva em primeira pessoa, como o moderno Call of Duty. No fim do ano passado, lan­çou-­se a versão repaginada.

As restaurações são feitas de forma automatizada por softwares guiados por inteligência artificial. Antes, era necessário que desenvolvedores de carne e osso refizessem o jogo eletrônico, em um trabalho que levava em torno de dois anos e equivalia a criar um game do zero. Pela novíssima técnica, tem-se o apoio de um recurso conhecido pelo termo em inglês AI upscaling (“refinamento por inteligência artificial”). Dessa maneira, não apenas a demora se reduz a poucas semanas como também a aparência dos games se torna, apesar de atualizada, mais fiel à versão original.

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O método robótico consiste, inicialmente, em alimentar um programa de computador com milhares de fotos aleatórias, em alta resolução, com o objetivo de preparar o software para identificar o modo como os pixels se distribuem pelas imagens. Após esse, digamos assim, treinamento inicial, envia-se o arquivo do videogame antigo. Na maioria dos casos, esses jogos eram desenvolvidos para ser rodados em televisores de tubo, com capacidade de exibir no máximo 360 pontos de cor por cena — para efeito de comparação, uma TV contemporânea tem capacidade para 4 000 pontos de cor. A inteligência arti­ficial então deduz como readequar traços, cores e texturas de forma a torná-los mais realistas.

APRIMORADO –  ’The Legend of Zelda’: à esquerda, o personagem Link em 2005; à direita em versão atual (//.)

“O software entende as ilustrações antigas, em 2D, com maior facilidade até do que compreenderia os modernos cenários em modelagem tridimensional”, disse a VEJA o programador belga Gael Honorez. Ele coordenou de forma independente a restauração de um ícone da diversão, o Final Fantasy IX, que vendeu 5,3 milhões de cópias. Lançada originalmente em 2000, a nova edição acaba de ser apresentada aos fãs.

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Há um desafio imenso para o restauro: os arquivos de jogos antigos são de baixíssima qualidade, em comparação com os contemporâneos. Foram desenhados para ser arma­zenados em CDs de no máximo 700 megabytes — o suficiente para guardar não mais que 150 fotos de um smartphone. Como consequência, nem sempre a máquina com­preen­de o que é exibido. Uma árvore no cenário, por exemplo, pode ser considerada um prédio. Só por isso é necessária a supervisão humana.

O resultado, evidentemente, não é apenas artístico. Já existem, à venda, mais 1 000 jogos rejuvenescidos para ser comprados. Eles integram uma indústria que movimenta, no total, 136 bilhões de dólares por ano — cerca de 27% a mais em comparação com o que foi arrecadado por todos os filmes de Hollywood no ano passado. Títulos de sucesso das últimas duas décadas, como The Legend of Zelda: Twilight Princess (o original era de 2005) e Grand Theft Auto: Vice City (de 2002), estão disponíveis em versões modernizadas, lançadas em 2019.

“Quando se trata de materiais digitalizados, se não os adequarmos para as tecnologias do presente, eles possivelmente perderão qualidade e nem rodarão corretamente”, diz o engenheiro de software americano Albert Yang, presidente da Topaz Labs, empresa que desenvolve programas restauradores. No entanto, numa prova de que o saudosismo e o romantismo continuam vivíssimos, a repaginação enfrenta resistência de muitos fãs. O argumento é que, ao delegar essa função a um software, o processo elimina as características artísticas originais. A alegação é parecida com uma ideia defendida pelo crítico de arte inglês John Ruskin (1819-1900), no século XIX: “A restauração é a destruição do edifício. É como tentar ressuscitar os mortos. É melhor manter uma ruína do que restaurá-la”.

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Publicado em VEJA de 8 de maio de 2019, edição nº 2633

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