‘Papa das tendências’ diz agora como será o Verão 2015
Em passagem pela SPFW, o francês Isham Sardouk, que presta serviço para grifes como Prada e Zara, explica seu trabalho e aposta na moda brasileira
“Alguém que vai à loja de luxo e compra um look inteiro não está na moda. Isso não é estar na moda, é somente ter acesso a roupas. Uma pessoa estilosa é aquela que pega a moda da passarela e a transforma em algo mais fashion quando a usa na rua. Faz misturas, sobreposições, adequa com a sua personalidade”
Conhecer o que será tendência daqui a um ou dois anos pode ser útil para consumidores comuns, que se valem de promoções e costumam guardar peças antigas no armário de olho no eterno retorno das tendências. Já para estilistas e empresários do mundo fashion, prever o futuro da moda é mais do que necessário. Antes de uma coleção ser produzida, desfilada e comercializada, existe um longo trabalho de pesquisa para analisar a evolução das cores, texturas e formas, e também o modo como as peças, com o tempo, se relacionam com os seus usuários. A reunião desse material pode apontar o que estará na moda e no gosto popular em um momento próximo.
Para fazer esse processo de avaliação, na ponta inicial da cadeia da moda estão os trendsetters, conhecidos em português como “caçadores de tendência”. Entre eles, um dos mais respeitados é o francês Isham Sardouk, 48 anos, 27 deles como trendsetter. Sardouk é o chefe de criação da Stylesight, empresa responsável por reunir ideias que são entregues de bandeja para estilistas darem início às suas criações. As conclusões de Sardouk e seu time são valiosas para grifes como Prada, Adidas, Converse, Diesel, Elie Saab, L’Oreal, Zara, Riachuelo e Daslu, que investem nos relatórios da Stylesight antes de definir suas futuras coleções. “Eles usam nossos serviços para poupar tempo. Não precisam fazer pesquisa e procurar inspiração para criar uma coleção, nós entregamos tudo pronto para eles desenvolverem suas roupas.”
Requisitado, o francês se divide entre dois endereços, em Nova York e Londres, cidades com os escritórios oficiais da empresa que atua há dez anos no mercado. No Brasil, o escritório existe há seis anos. Segundo ele, sua rotina de trabalho é constante, já que tudo pode lhe servir de inspiração. “Se vou a um museu, começo a tirar fotos e a registrar ideias, então nunca paro”, diz. “Coletamos informações e análises e depois traduzimos essas informações em produtos, com lookbooks que, possivelmente, serão adotados pelas marcas e comercializados.”
Nesta semana, Sardouk esteve em São Paulo para um evento oficial da São Paulo Fashion Week (SPFW), onde mostrou para a imprensa e lojistas suas previsões para a Primavera-Verão 2015, enquanto a coleção de Outono-Inverno 2014 era desfilada. O “papa das tendências”, como é chamado, recebeu o site de VEJA para uma conversa sobre como nasce uma tendência e o futuro da moda no Brasil.
Qual a principal diferença do trabalho feito pelo senhor há 10 anos e o de agora? A grande diferença é que a era digital mudou a maneira como trabalhamos, tudo foi alterado pela internet e pela influência das redes sociais. As pessoas ativas no Instagram, Twitter e Facebook decidem se um produto é legal ou não. Antes, gastavam-se milhões com campanhas, supermodelos como a Gisele, mas isso já não funciona tanto hoje em dia. Você tem o curtir e não curtir. As pessoas veem algo de que gostam e curtem na internet. Se alguma coisa tem grande aprovação, então se torna viral. O consumidor tem mais poder que antes, antigamente o poder estava nas mãos do marketing e da propaganda, isso agora se inverteu.
A internet já dita mais tendência que as passarelas, também? Acho que aqui é equilibrado. Algumas marcas grandes como a Zara, de fast fashion, têm a capacidade de fazer boas ações virtuais, como um desfile on-line de roupas que ainda não chegaram às lojas. A partir daí, a marca sente as peças que têm maior adesão junto aos consumidores – e aquelas em que vale a pena investir. Se a roupa for bem votada na internet, ela é produzida. Se a reação não for boa, ela é abortada. Isso diminui os riscos de rejeição e encalhe de estoque. As marcas agora querem ouvir o que consumidor quer, não acham mais que têm o poder de impor o que é moda.
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O que prevê para o futuro da moda no Brasil? É um futuro ótimo. O Brasil tem um grande potencial. É uma nação que ainda não encontrou o seu tempo, que não se desprendeu das tradições, como o Carnaval. Não é necessário abrir mão da cultura local, mas adaptá-la ao século XXI. Fazer produtos fortes em todas as áreas do design, na arquitetura, na indústria automobilística e tudo o mais. O país tem potencial suficiente para isso. Falta uma economia que apoie a criatividade no Brasil e também lhe dê confiança e coragem.
Acredita que São Paulo pode ser a capital da moda algum dia? Sim, com certeza. Eu ficaria triste se isso não acontecesse. Provavelmente em 2016. Está chegando, em breve, e eu espero que as pessoas percebam que isso é uma oportunidade de ouro para a cidade: ser o centro de ótimas novidades. A SPFW pode ser um grande evento de proporções mundiais. Se isso não der certo, pelo menos as pessoas são muito bonitas!
Qual o alcance das suas previsões? Já estou trabalhando no Outono-Inverno 2015. Apresentamos agora na SPFW as ideias para o Verão 2015. É importante ressaltar que não tenho uma bola de cristal para dizer o que será moda. Trabalho com o conceito de evolução, de lógica: faço um longo processo de análise, de observação sobre o que acontece no presente para pensar o futuro. Se uma cor se saiu bem nesta estação, tenho que pensar que evolução essa cor terá na próxima. E recebo dicas de especialistas. Temos muitos especialistas que produzem sapatos, por exemplo, e nos falam se um tipo de calçado vai vingar ou não, muitas vezes baseados em experiências passadas. Daí surgem previsões baseadas no passado, que também podem funcionar.
Existe um ciclo na moda? Sim, com certeza. Estão se tornando cada vez mais curtos os períodos de tempo para o retorno de uma tendência. No começo dos anos 1990, o ciclo levava 3 anos para ser concluído. Agora é mais rápido. Há pouco tempo, tudo era minimalista. E de uma edição para a outra a moda maxi chegou, com acessórios gigantescos e muitas estampas misturadas. O ciclo é menor, pois o consumidor hoje tem déficit de atenção, não consegue se concentrar. Por isso, a moda também tem ciclos menores e mais curtos. Para tentar manter as pessoas interessadas.
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Quais peças de roupa as pessoas devem manter no armário, pois nunca saem de moda? Roupas que você comprou e pelas quais se apaixonou. Aquelas que quando veste sempre o deixam feliz. Nunca jogue essas fora. Algumas peças são versáteis e viajam no tempo sem problema: camiseta branca, camisa preta de gola rolê, vestido preto, casaco preto e jeans. O jeans, quanto mais velho fica, aliás, melhor. Contanto que tenha o caimento perfeito. Mantenha as peças que você pode usar e misturar em todas as estações com outras coisas e deixá-las novas.
E o que as pessoas podem jogar fora? Roupas baratas. Elas se desgastam rápido e não valem a pena. É dinheiro perdido. Nunca economizo com sapatos e bolsas, com as peças que podemos usar sempre.
O que significa estar na moda, ser estiloso pra você? Alguém que vai à loja de luxo e compra um look inteiro não está na moda. Isso não é estar na moda, é somente ter acesso a roupas. Uma pessoa estilosa é aquela que pega a moda da passarela e a transforma em algo mais fashion quando a usa na rua. Faz misturas, sobreposições, adequa com a sua personalidade.
No caso do Brasil, as pessoas seguem as marcas desfiladas na SPFW? Acho que não. Muitos estilistas e marcas que atuam fora do Brasil representam um estilo de vida. É por isso que nomes como Isabel Marant na França atraem consumidores que gostam de produtos diferenciados. Falta isso ao Brasil: um estilista que seja admirado ao ponto de alguém querer usar e ser reconhecido por usar peças suas. Faltam roupas que representem algo, que envolvam sonhos. Moda só pela moda não dura. A moda precisa de personalidade e carisma.