Por AE
São Paulo – Aos 83 anos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos ainda nem lançou seu segundo filme sobre Antonio Carlos Jobim – “A Luz do Tom”, estreia prevista para agosto – e já tem projeto engatilhado para 2013. Nada mais nada menos que uma cinebiografia daquele que, para muitos, foi o mais iluminado estadista brasileiro, Dom Pedro II.
Dom Pedro de Alcântara que, ao longo de quase 50 anos de reinado, manteve a unidade do país de dimensões continentais, travou uma guerra de cinco anos com o Paraguai e conseguiu conduzir a abolição da escravatura. O filme baseia-se na biografia escrita por José Murilo de Carvalho, membro, como Nelson, da Academia Brasileira de Letras. Carvalho escreveu um perfil elogioso, mas não encomiástico. E foi a própria leitura do texto, de estilo preciso e elegante, que levou Nelson a propor ao colega de fardão transpô-lo para o cinema.
“O livro do Murilo tem uma estrutura muito interessante”, diz o cineasta, em conversa com a reportagem. “Em vez de estabelecer a cronologia tradicional, ele divide a vida de Dom Pedro em pequenos capítulos temáticos que, aí sim, exibem uma cronologia interna.”
A sedução pelo formato pouco usual entre historiadores no entanto levou Nelson Pereira a buscar outras soluções de roteiro. “Imagino, para abrir o filme, a seguinte situação: dia 15 de novembro de 1889, o imperador Dom Pedro II e a família encontram-se aprisionados no Paço Imperial, atual Praça XV, pelos militares que estão proclamando a República no Brasil. Nesse momento, dois tipos de pensamento emergem em sua cabeça: o primeiro, a longa luta travada para abolir a escravidão no Brasil; a segunda volta-se para uma certa senhora baiana e mulata”, diz, brincando.
De fato, se pudéssemos adivinhar o que se passava pela cabeça de Pedro, ao ver-se destituído do trono, talvez fossem esses os pensamentos dominantes. A luta para extirpar a chaga da escravidão, e que não foi apenas de Dom Pedro mas de todos os abolicionistas, e a imagem de uma mulher onipresente em sua vida afetiva – a condessa de Barral. A partir desses dois pensamentos convergentes, Nelson pretende reconstruir a trajetória de Pedro de Alcântara, que assumiu o trono brasileiro aos 15 anos de idade e reinou por 49 anos, três meses e 22 dias.
O relacionamento com a condessa de Barral foi quase tão longo quanto o reinado de Dom Pedro. Eles se conheceram em 1856, quando o imperador tinha 31 anos e ela, quase 40. Chamava-se Luísa Margarida Portugal de Barros e era filha de Domingos Borges de Barros, visconde de Pedra Branca. “A irmã de Pedro indicou essa condessa como preceptora das suas filhas”, diz Nelson. Ela veio da França e assumiu a educação de Isabel e Leopoldina. Encantado com a mulher cosmopolita, não era raro que o monarca acompanhasse as lições que dava às princesas, e assim o caso entre os dois teria nascido.
Dom Pedro morreu no exílio, em 1891, e começou a ser reabilitado, de maneira oficial, apenas em 1922, no centenário da Independência. O decreto de banimento foi revogado e os restos mortais puderam ser repatriados. Estátuas surgiram e sua efígie de barbas brancas, ar sábio e bondoso passaram a frequentar os livros escolares e a imaginação histórica dos brasileiros. Poliglota, justo, “republicano” apesar da coroa, cultor das artes e das ciências, honesto e defensor da liberdade de imprensa, mesmo quando por ela atacado e ridicularizado – espanta que, a esta altura do campeonato, o cinema também se interesse por ele? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.