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Michael, uma lenda envolta em mistério

Por Da Redação
26 jun 2009, 22h04

A música popular americana deu origem a três ídolos incontestáveis no século passado. Frank Sinatra foi… Frank Sinatra. Elvis Presley foi a cintura e o topete do rock. Michael Jackson, o terceiro, inventou a música pop – e não há exagero nessa afirmação. Ele derrubou uma das últimas barreiras que restavam entre brancos e negros nos Estados Unidos, desde o movimento dos direitos civis nos anos 60. Em vez de música para brancos e música para negros, agora havia sua fusão revolucionária de duas tradições. Jackson elevou formas de dança das ruas à categoria de arte. Assombrou com seu estilo extravagante de se vestir, que definia, afinal, o que é um ícone pop: alguém que vive em um mundo em que as únicas regras a seguir são as próprias regras. Vendeu 750 milhões de discos, 100 milhões deles de Thriller, o álbum de maior sucesso da história da discografia mundial.

Na quinta-feira passada, Michael Jackson morreu, aos 50 anos, depois que seu médico e os para-médicos de Los Angeles falharam em ressuscitá-lo de uma parada cardíaca. Estava longe dos palcos havia anos. Era visto como a personificação das deformações que a fama é capaz de imprimir, até mesmo fisicamente, em quem vive dela. Numa paráfrase da frase célebre de Winston Churchill, Jackson continuará sendo uma lenda envolta em mistério, dentro de um enigma. No momento de sua morte, contudo, voltou a ser o que foi a maior parte da vida: um ícone.

A causa exata da morte só deverá ser conhecida em duas semanas, quando serão divulgados os resultados finais de sua autópsia. Mas informações vindas de parentes e amigos do cantor sugerem que Jackson vinha abusando de analgésicos potentes. Segundo aventou na sexta-feira o canal de fofocas TMZ, entre eles estaria o demerol, um opiáceo sintético de ação similar à morfina. Michael teria tomado uma injeção poucas horas antes da parada cardíaca. Na classe dos opiáceos, só a heroína causa mais dependência que a meperidina, como é chamado o princípio ativo do demerol. Nas primeiras doses, o efeito dura de 6 a 8 horas. “Se ele for consumido todos os dias, bastam duas semanas para o efeito do medicamento durar a metade disso”, diz Irimar de Paulo Posso, anestesiologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. A parada respiratória ocorre porque o medicamento diminui a sensibilidade das células do sistema nervoso central que regulam a respiração – a qual vai diminuindo, até causar sonolência.

A falta de oxigênio, então, pode culminar em colapso do coração. O cantor começou a usar remédios para dor em meados dos anos 80. Desde então, teria se tornado dependente deles. Nos últimos tempos, ele os estaria tomando em razão de uma lesão numa vértebra e de dores nas pernas produzidas pelo excesso de ensaios: depois de vários anos sem fazer shows e da longa reclusão que se impôs desde que foi absolvido da acusação de abuso sexual de um garoto, em 2005, o cantor estava prestes a retornar ao palco. No próximo dia 13, daria início a uma temporada de cinqüenta apresentações em Londres.

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Carreira – No início da década de 80, momento de explosão de Jackson, nem nos confins do planeta se encontraria um adolescente que não tivesse se arriscado a imitar o quase impossível moonwalk, a dança que ele inventou ao fundir a suavidade dos passos de Fred Astaire à agressividade dos dançarinos de break, ou suas coreografias sensacionais, profundamente estilizadas – como aquela mão na virilha que era, ao mesmo tempo, erótica e uma paródia do erotismo. Hoje, não se encontra em lugar nenhum artista pop que não dance no palco à maneira de Jackson: como uma declaração criativo que avança por territórios e sentidos em que a letra e a melodia não chegam. Mas essa foi apenas uma das revoluções de Jackson.

As imagens de Thriller, catorze minutos que sempre pareciam curtos demais, cravaram o videoclipe como a forma essencial de veicular uma música, e ajudou a tornar a MTV uma força decisiva entre o público jovem. E o público jovem (com a ajuda decisiva de Walter Yetnikoff, então presidente da CBS, que ameaçou tirar todos os artistas da companhia da MTV caso ela não exibisse Thriller) obrigou a emissora, que antes torcia o nariz para artistas de música negra, a abrir sua programação para eles. Hoje, o rap e o rythm’n’blus (R&B) são os estilos hegemônicos na emissora.

E aí, claro, está a questão crucial para entender Jackson ou qualquer outro artista capaz de alcançar a longevidade na carreira: a música, o epicentro do qual irradiam todos esses tremores culturais e comportamentais. Em razão do aparato industrial e mercadológico que cerca os popstars, é comum que se pinte com tintas ideológicas a sua existência, acusando-os de serem fabricações. Alguns o são. Outros trazem para o cenário artístico um talento verdadeiro e uma capacidade real de inovação. Descartar Madonna ou Justin Timberlake como “produtos” é só uma forma de não compreendê-los nem ao mundo em que vivemos; categorizar Jackson como uma fabricação seria um equívoco ainda mais completo.

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Ele de fato criou o pop. Até a década de 70, a música jovem se dividia em dois nichos distintos. Havia o rock e suas variações, consumidos principalmente por adolescentes brancos e de classe média. E havia a música negra – soul, funk, disco, rhythm’n’blues -, que era ouvida por negros. Jackson quebrou essa barreira em discos como Off the Wall, de 1979, e Thriller, de 1982, e borrou para sempre a linha que separava os dois universos. Nesses discos, o cantor talhou as linhas de baixo e bateria na medida para as pistas de dança; mas associou-as à vibração característica do rock’n’roll. Até mesmo as origens de um fenômeno social notável entre os jovens americanos, o dos adolescentes brancos que querem falar, dançar e agir como negros, podem ser traçadas diretamente à sua influência.

Ao se lançar como artista solo, em 1971, Jackson já havia aprendido muito sobre composição e produção musical. Teve a sagacidade de, pouco depois, aliar-se ao produtor Quincy Jones, que havia feito carreira no mundo do jazz. Eles colaboraram nos álbuns Off the Wall, Thriller e Bad. Jackson não era ainda o recluso das últimas décadas, mas um artista curioso e vivo. Muitos dos ritmos presentes nesses trabalhos nasceram de suas idas às discotecas, e suas letras vinham repletas das angústias de um rapaz da sua idade.

Até 1996, ano em que foi ao morro da Dona Marta, no Rio de Janeiro, e ao Pelourinho, em Salvador, para gravar o clipe de They Don’t Care About Us, Jackson ainda vivia no mundo real. Cada vez mais, porém, ia sendo dominado pelo lado obscuramente infantilizado de sua personalidade, que o levaria, a certa altura, a se isolar em sua bizarra propriedade de Neverland – ou Terra do Nunca, em referência ao lugar em que vivia Peter Pan, o garoto que não queria crescer. Esse Jackson aberrante e patético encobriu o totem da revolução pop. Mas, com a sua morte, ele renasceu.

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