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Memória: O silêncio servindo de amém

As despedidas na música em 2020

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 dez 2020, 09h34 - Publicado em 24 dez 2020, 06h00

ALDIR BLANC, letrista

Aldir Blanc
(Oscar Cabral/VEJA)

A primeira reação do cartunista Henfil ao ouvir O Bêbado e a Equilibrista foi ligar para o irmão Betinho, exilado no Chile nos anos 1970. “Agora temos um hino e quem tem um hino faz uma revolução”, disse Henfil. Na voz de Elis Regina, a música virou um cântico informal na luta contra a ditadura militar. Foi uma triste coincidência a perda de Aldir Blanc — compositor do clássico em parceria com João Bosco — bem no momento em que uma minoria delirante propala a saudade da ditadura. Com suas mais de 500 músicas, Blanc foi um dos maiores letristas da MPB. Alguns de seus versos: “Caía a tarde feito um viaduto / e um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos / a Lua, tal qual a dona de um bordel, / pedia a cada estrela fria um brilho de aluguel” (O Bêbado e o Equilibrista); “Tá lá o corpo estendido no chão / em vez de rosto, uma foto de um gol / em vez de reza, uma praga de alguém / e um silêncio servindo de amém” (De Frente pro Crime); e “Salve o navegante negro / que tem por monumento / as pedras pisadas dos cais” (O Mestre-Sala dos Mares). Nascido no bairro carioca do Estácio, em 1946, Blanc era amante do Carnaval e torcedor entusiasmado do Vasco da Gama, o único entre os grandes clubes do Rio sediado na Zona Norte da cidade. Em 1991, sofreu um acidente de carro que deixou sua perna esquerda quase sem movimento. Em 2010, com diabetes e pressão alta, parou de consumir álcool. Tinha Covid-19. Morreu em 4 de maio, aos 73 anos, no Rio.

MORAES MOREIRA, cantor e compositor

Moraes Moreira
(Selmy Yassuda/VEJA)

O Brasil seria mais triste sem Moraes Moreira. Nas festas de São João de sua Ituaçu natal, na Bahia, o menino divertia a plateia tocando a sanfona de doze baixos. Em Salvador, mergulharia de vez na carreira musical. Em 1969, quando a ditadura militar entrava em sua fase mais sombria, compôs doze músicas em apenas quinze dias em um quartinho de pensão, ao lado do amigo Luiz Galvão. Começava assim o grupo Novos Baianos, no qual Moraes, junto com Galvão, Dadi, Paulinho Boca de Cantor, Baby do Brasil e Pepeu Gomes, oferecia antídotos ao baixo-astral da repressão: amor livre, pirações hippies, futebol. Na última entrevista, quatro dias antes de morrer, ele disse que os Novos Baianos tinham vindo para levantar a autoestima do brasileiro na pandemia. Moraes personificava a genuína e genial felicidade na MPB. Com os Novos Baianos, inovou ao misturar bossa nova com rock, samba, frevo e baião. Ao ouvir uma história de João Gilberto sobre um erro de expressão infantil da filha, Bebel Gilberto, Moraes e companhia cunharam o nome de seu álbum mais antológico, Acabou Chorare, de clássicos como Preta Pretinha. Morreu em 13 de abril, aos 72 anos, de infarto, no Rio.

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SÉRGIO RICARDO, compositor

Sérgio Ricardo
(Wilson Santos/VEJA)

As vaias começaram antes mesmo de Sérgio Ricardo entrar no palco para apresentar a música Beto Bom de Bola, no 3º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1967. O motivo: a canção seria executada com um arranjo diferente. As vaias eram tantas que Sérgio disse ao público que mudaria o nome para “Beto Bom de Vaia”. A plateia não deu trégua nos três minutos seguintes. Sem conseguir cantar e visivelmente nervoso, ele interrompeu a música e gritou: “Vocês ganharam”. Em seguida, quebrou o violão e jogou seus pedaços no público. Em 1962, tocou no histórico show Bossa Nova, no Carnegie Hall, em Nova York, com João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. No ano seguinte, compôs a trilha sonora do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Mas aquela emblemática noite de 1967 o acompanharia por toda a carreira. Morreu em 23 de julho, aos 88 anos, em decorrência de complicações de uma insuficiência cardíaca, no Rio de Janeiro.

A guitarra gentilmente chorou

LITTLE RICHARD, roqueiro

Little Richard
(Charlie Gillett/Redferns/Getty Images)

E lá vinha ele, batendo firme nas teclas do piano, com a voz exuberante, os olhos desenhados com rímel, uma figura explosiva que provocou espanto nos recatados anos 1950. Com Tutti-Frutti, de 1955, o americano Little Richard estourou nas paradas de sucesso, abrindo a avenida para um novo estilo de música, o rock’n’roll. Depois dele, nada mais seria como antes. Os Beatles, Jimi Hendrix, Prince e Elton John admitiram ter bebido da inesgotável fonte de energia de Richard. Morreu em 9 de maio, aos 87 anos, em Tullahoma, no Tennessee. Era, sem exagero algum, uma lenda.

EDDIE VAN HALEN, guitarrista

Eddie van Halen
(Richard E. Aaron/Redferns/Getty Images)

Quando Eddie van Halen subia ao palco com sua guitarra, a Frankenstrat, construída por ele mesmo juntando peças de vários modelos, o público sabia que dali viria uma impossível sucessão de riffs e solos, como nos clássicos Jump ou Panama. Em 1982, fez uma antológica (e improvável) parceria com Michael Jackson, criando o inconfundível solo de Beat It. Com seu irmão e companheiros de banda, personificou a tríade do sexo, drogas e rock’n’roll. Mas o alcoolismo, de que só conseguiu se livrar em 2008, prejudicou o músico e, segundo os médicos, ajudou a desenvolver o agressivo câncer na garganta que enfrentou durante dez anos. Morreu em 6 de outubro, aos 65 anos, em Santa Mônica, na Califórnia.

Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719

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