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Livro resgata mulheres essenciais – e esquecidas – na invenção da internet

Da pioneira Ada Lovelace a executivas atuais do setor, americana Claire L. Evans foge de ótica simplista para apresentar figuras femininas brilhantes

Por Gabriela Caputo Atualizado em 21 set 2022, 13h31 - Publicado em 21 set 2022, 12h10

As lembranças de adolescência da americana Claire L. Evans, jornalista e vocalista da banda YACHT, são permeadas por uma “carroça digital” que serviu de janela para “descobertas e trangressões”. Como uma boa millennial, Claire cresceu online, enquanto a própria internet se desenvolvia, cada vez mais poderosa. É ao seu antigo computador, um Dell bege com monitor de tubo, que ela dedica a introdução do livro A História Desconhecida das Mulheres que Criaram a Internet (Ed. Bestseller), recentemente publicado no Brasil. Através de ensaios biográficos bem pesquisados – e narrados com fluidez – Claire joga luz sobre figuras femininas que foram cruciais para a rede mundial de computadores, mas que, por motivos infelizmente óbvios, foram esquecidas, enquanto seus colegas homens entraram para o panteão de grandes matemáticos, engenheiros e programadores.

A obra destaca o pioneirismo feminino na arte da programação e mostra como quase sempre foram as mulheres que se preocuparam em fazer a máquina servir às pessoas, e não ao contrário. Ada Lovelace, Grace Hopper, Elizabeth J. Feinler e Stacy Horn são alguns dos nomes de diferentes épocas dessa cronologia que Claire recupera. Em entrevista a VEJA, a autora contou que quis escrever um livro porque, enquanto a internet é um objeto cultural que tende a ser apagado e reescrito, o registro em papel é mais permanente e dissemina de forma ampla as memórias ameaçadas. “Eu queria lembrar antes de esquecermos”, diz. 

Claire, entretanto, não se limita ao passado remoto, mas visita a história ainda em curso por meio de entrevistas com mulheres que, não faz muito tempo, brilharam com ideias inovadoras –  como as ciberfeministas da década de 1990, às quais dedica um interessante epílogo. Ela busca, sobretudo, trazer o lado humano das personagens que apresenta, fugindo de pinturas simplistas. “Todos nós merecemos personagens complexos, não apenas heróis de quadrinhos. Não acho muito inspirador ler sobre alguém que é completamente perfeito”, pensa a autora. Confira a entrevista:

O livro ressalta o papel das mulheres na democratização da internet. Por que acha que tornar esse ambiente mais acolhedor e acessível é uma preocupação forte delas? Todos sofremos quando a tecnologia é criada por uma monocultura – ou seja, por pessoas que não experimentam diretamente as consequências de más escolhas de design e que não precisam pensar, por exemplo, em serem assediadas ou discriminadas por causa de suas identidades. A tecnologia pode exacerbar os problemas sociais – e, de fato, o faz o tempo todo –, mas não pode consertá-los. Mulheres e minorias têm um interesse em garantir que um ambiente tecnológico seja acolhedor, acessível e, acima de tudo, seguro. 

Alan Turing é celebrado como o “pai da computação”. Quem seria o equivalente feminino dele na história? Ada Lovelace ocupa uma posição semelhante. Sua contribuição não foi levada a sério por quase um século após sua morte, porque as mulheres não eram cientistas. Ela era filha de Lorde Byron, e uma matemática tão brilhante quanto ele era poeta. Ada escreveu um conjunto de instruções matemáticas para a chamada Máquina Analítica, que, embora nunca tenha sido concluída, constitui o primeiro programa de computador da história. Ela era uma pessoa complexa, viciada em opiáceos, mas tinha um instinto inquietante sobre como os computadores seriam usados nas gerações vindouras.

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Quando o chamado “computador” designava apenas uma função realizada por pessoas, as mulheres dominavam a área. Quando e por que elas perderam essa vantagem para os homens? As mulheres começaram a desaparecer da computação na década de 1970, quando costumavam ocupar cargos de baixo status – em vez de serem as principais inovadoras no espaço, como foram durante a II Guerra Mundial e por algum tempo depois. Isso é consequência, em parte, da comercialização de computadores, que sinalizou para os homens do campo que “programação” era uma nova forma de engenharia, ou seja, um papel com status. A profissionalização do campo levou à sua masculinização implícita, o que só se reforçou ao longo dos anos, graças ao marketing, anúncios e filmes. Hoje achamos que os homens são de alguma forma naturais para a computação, mas não são. É um anacronismo.

Quem são as mulheres se destacando no campo tecnológico hoje em dia – e que devem ser lembradas pela história? Duas mulheres que eu realmente admiro na tecnologia no momento são Tracy Chou, desenvolvedora de software e fundadora do aplicativo Block Party, que faz o trabalho de filtrar abuso, assédio e spam que as empresas de mídia social ignoraram, e Meredith Whittaker, uma ex-funcionária do Google que organizou as paralisações em toda a empresa em 2019 e que agora dirige o AI Now Institute, um instituto de pesquisa que estuda as implicações sociais da inteligência artificial.

O que pode ser feito para incentivar mais mulheres a buscar uma carreira nesse campo ainda opressor? É uma questão complexa, mas também muito simples: contrate mulheres, ouça as mulheres e pague-as bem.

Em um mundo mergulhado em fake news e guerras de narrativa movidas por engajamento, você é otimista de que o espaço online pode melhorar? Não há nada fundamentalmente errado com ele. É que o espaço online saudável é diametralmente oposto aos objetivos das plataformas corporativas, que existem apenas para enriquecerem a elas mesmas. Estamos em um ponto de transição na história da internet, mas, por mais que as coisas possam piorar, elas também podem melhorar. 

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