Uma estudante é alvo de piadas de colegas por ter muitos pelos no corpo. Seria apenas mais um caso de bullying e discriminação retratado pela literatura, não fosse a estudante uma sikh, grupo religioso muito numeroso na Índia. E não pudesse a ação desse grupo banir do país The Casual Vacancy, o romance que marca a estreia no universo adulto da escritora britânica JK Rowling, a criadora da saga Harry Potter. Considerado um das maiores lançamentos do ano, o livro chegou ao mercado de língua inglesa na última quinta, dia 27, e tem lançamento no Brasil previsto para a primeira semana de dezembro.
Sukhvinder, a estudante sikh do romance, é descrita como “bigoduda, peituda e capaz de deixar perplexos cientistas com seus pelos que a tornam meio homem e mulher”. De acordo com o site britânico International Business Time, o Akal Takht, sede da autoridade sikh na Índia, condenou o livro de JK, e o Comitê Shiromani Gurdwara Parbandhak (SGPC, na sigla em inglês), que representa o Akal Takht, pediu retratação por parte da escritora. “Não havia necessidade de descrever a personagem sikh usando uma linguagem provocativa e questionando o seu gênero. Isso é condenável”, disse o chefe do SGPC, Avtar Singh Makkar ao jornal Times of India.
Makkar disse ainda que o texto de JK era um insulto à comunidade sikh e que, se ela se recusasse a retirar do livro a passagem considerada ofensiva, o grupo tomaria medidas contra ela. A autora já declarou ter feito uma extensa pesquisa sobre o grupo religioso para criar a família sikh que ocupa lugar central na trama de The Casual Vacancy, e que no romance são os sikhs, e não os cristãos, os bastiões da moral regiliosa. A escritora também já declarou que o seu objetivo não era ofender essa religião, mas retratar o “racismo corrosivo” de que são vítimas seus seguidores.
Uma proibição não é difícil na Índia: basta lembrar que Salman Rushdie, um nativo, foi banido pelo livro Versos Satânicos, considerado ofensivo ao Islã. Por doze anos, o escritor, que vive em Londres desde a idade escolar, não pôde entrar em seu país. A Índia foi, aliás, o primeiro país a vetar o livro de Rushdie, alvo de uma fátua decretada no Irã pelo aiatolá Khomeini, que pedia a sua cabeça. Para sobreviver à ameaça muçulmana, o escritor viveu mais de dez anos na clandestinidade, período que ele conta no recém-lançado Joseph Anton (Companhia das Letras). O livro leva o nome que Rushdie usava na clandestinidade, feito com os primeiros nomes de dois de seus autores favoritos: Joseph Conrad e Anton Tchekov.