Como pode ela não perceber que canta tão mal? A pergunta, que deve passar pela cabeça de todo espectador, é o mistério que define Marguerite, longa do francês Xavier Giannoli que estreia agora no Brasil. O filme sobre uma mulher que tem dinheiro, mas não título nobiliárquico, e se casa com um homem falido para obtê-lo, e que tem pretensões artísticas, mas nenhum talento, e patrocina uma irmandade de músicos para se apresentar entre eles, tem um quê de surreal. Sempre incentivada pelo fiel mordomo Madelbos (o ótimo Denis Mpunga), que a fotografa em trajes de ópera sonhando um dia, quem sabe, ver as suas fotos se tornarem famosas, a rica e ociosa Marguerite Dumont (Catherine Frot, merecidamente premiada com o César, o Oscar francês) investe seu tempo livre na música. Que, ela acredita, é a sua praia. Surda para a afinação e protegida da verdade por todos, já que ninguém tem coragem de dizer a ela como soa, Marguerite submete plateias a verdadeiros shows de horrores. Que crescem em duração e relevância ao longo do filme — na parte final, Marguerite se apresenta na Ópera Nacional de Paris. A tragicomédia tem mesmo um quê de absurdo. Os personagens que se negam a dizer a verdade à cantora, não se deixando trair nem mesmo com uma risada enquanto ela canta, são tão incríveis quanto os amigos ricos de O Anjo Exterminador, de Buñuel, que não conseguem deixar a casa onde se reuniram para um jantar. Mas a história é baseada em uma figura verdadeira: a socialite americana Florence Foster Jenkins, que abalou o mundo com seus trinados nos anos 1940 e nas próximas semanas chega aos cinemas na pele de Meryl Streep. O pecado do filme, este ambientado nos anos 1920, é justamente procurar dar uma explicação para a insana busca de Marguerite, tentar racionalizar uma personagem que é grande justamente por ser tão surpreendente. Sorte que Catherine Frot, com a sua construção irreparável de uma mulher que é ao mesmo tempo doce, maluca, infantil e um pouco estúpida, compensa a falha.