Em 1987, já com mais de dez títulos publicados e consagrado por obras surpreendentes como Adeus, Columbus e O Complexo de Portnoy, Philip Roth, a caminho de se consolidar como um dos maiores nomes da literatura americana, teve um esgotamento nervoso. Não conseguia mais escrever. “Na primavera de 1987, depois de dez anos de criatividade, o que devia ser uma cirurgia de pequeno porte virou um martírio que, desembocando numa depressão extrema, me levou às raias da dissolução emocional e mental”, descreveu ao “amigo” Nathan Zuckerman, também escritor, na carta que serve de introdução a Os Fatos (tradução de Jorio Dauster, Companhia das Letras, 208 páginas, 44,90 reais), autobiografia de Roth que enfim chega ao Brasil. Lançado nos Estados Unidos em 1988, o livro explica não apenas o que levou o autor a um colapso psíquico — o engessamento das regras que criou para escrever, a morte da mãe e o iminente óbito do pai idoso, a contrastante distância entre os livros e sua vida, que servia a eles de matéria-prima –, mas também passagens da sua biografia que abasteceram a sua obra e detalhes sobre o seu processo criativo. “Eu estava exaurido por causa das regras que eu mesmo estabelecera — por ter de imaginar coisas que não tinham acontecido exatamente daquele jeito comigo, ou coisas que possivelmente nunca teriam acontecido comigo acontecendo com um representante meu, com uma projeção de mim, com um outro eu”, anota em outra passagem da carta a Zuckerman. Nem é preciso dizer que é significativo que discuta essas regras com um alter-ego, protagonista de obras importantes como Pastoral Americana. Figura especular, é interlocutor ideal para um solilóquio de alta voltagem.