A Paixão de JL, de Carlos Nader, sobre o artista plástico José Leonilson, foi o vencedor da 20ª edição do É Tudo Verdade. Nader, que havia recebido o principal troféu no ano passado, por Homem Comum, se tornou o primeiro diretor bicampeão do principal festival nacional de documentários. Além do grande troféu, A Paixão de JL levou o prêmio da crítica, promovido pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Uma façanha, ainda mais quando se leva em conta o alto nível de disputa do festival comandado criado e comandado pelo jornalista Amir Labaki.
Na competição internacional, venceu A França É nossa Pátria, de Rithy Pahn, um estudo sobre o colonialismo francês na Indochina. O melhor curta brasileiro, para o júri oficial foi Cordilheira de Amora II, de Jamille Fortunato. Já os críticos ficaram com Sem Título #2: La Mer Larme, de Carlos Adriano.
Tanto a qualidade quanto o impacto emocional provocado por A Paixão de JL tornam sua escolha bastante compreensível. Nader realiza um trabalho sensível, delicado e profundo sobre um legado de Leonilson — o registro, em gravador, de um diário íntimo iniciado em 1990. Leonilson narra o cotidiano do país (na época envolto no turbilhão da era Collor) e faz reflexões sobre seu trabalho, a família e a vida amorosa. Na parte final, depois do diagnóstico da aids, o artista fala da dolorosa evolução da doença. A voz é entremeada, na tela, por imagens heteróclitas, de fatos do cotidiano ou de suas obras. Voz e imagens se misturam e levam o espectador ao rico e sofrido universo do artista.
A França É Nossa Pátria, do franco-cambojano Rithy Pahn, é outro tipo de filme, em que o tom político domina. O título poderia evocar uma louvação ao país dos direitos humanos, de Voltaire e Rousseau, da Marselhesa e da tríade Liberté, Egalité, Fraternité. Não é nada disso. Irônico desde o princípio, Pahn traz de volta o nada glorioso passado colonial da nação francesa. Usa material de época, filmes mudos, “comentados” por cartazes que evocam o discurso colonialista. “Estamos lhes trazendo a civilização”, diz o cartaz, enquanto as imagens mostram a construção de escolas, igrejas e ferrovias, feitas por mão-de-obra local.
A arrogância e o senso de superioridade do colonizador são patentes. O outro, o colonizado, seus sentimentos, sua cultura, não contam para nada. Na parte final, com o início das guerras anticoloniais, o tom muda. Não há uma imagem forjada. Não há um discurso que não faça parte da mentalidade do colonizador. O contraste entre imagens e palavras desvela a brutalidade do colonialismo. Em especial quando ele é promovido em nome da “civilização” e dos “valores ocidentais”.
Não se pode esquecer que o É Tudo Verdade iniciou pela exibição de Últimas Conversas, filme póstumo de Eduardo Coutinho, morto ano passado em circunstâncias trágicas. Nesse testamento involuntário, o diretor de Cabra Marcado pra Morrer e Edifício Máster conversa com adolescentes e aspira à espontaneidade da infância. Muito ainda há de se falar e se escrever sobre essa obra-legado de Coutinho, cineasta divisor de águas no documentário brasileiro.
PREMIADOS
COMPETIÇÃO BRASILEIRA
Melhor Documentário Brasileiro de Longa ou Média-metragem – A Paixão de JL, de Carlos Nader
Melhor Documentário Curta e Prêmio Mistika- Cordilheira de Amora II, de Jamille Fortunato
COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
Melhor Documentário Longa ou Média-metragem – A França É Nossa Pátria, de Rithy Pahn
Melhor Documentário Curta – Supercondomínio, de Teresa Czepiec
Menção Honrosa para Documentário Longa ou Média-metragem – Hora do Chá, de Maite Alberdi
Menção Honrosa para Documentário Curta – Urso, de Pascal Flörks
(Com Estadão Conteúdo)