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Filme ‘Besouro’ testa a ação ‘made in Brazil’

Por Cecília Araújo
30 out 2009, 08h25

Diretor premiado no universo da propaganda – ele já arrebatou 46 Leões do festival de Cannes, na França -, o carioca João Daniel Tikhomiroff optou por uma mistura inusitada para estrear em longa-metragem: legítima capoeira brasileira com técnicas hollywoodianas usadas para filmar artes marciais em produções internacionais. Rodado em Andaraí, cidadezinha da Chapada Diamantina, Besouro conta a história verdadeira de um jovem capoeirista baiano que viveu entre 1897 e 1924 e se tornou um mito popular: reza a lenda que ele tinha o “corpo fechado” e era capaz de voar. As cenas de ação do filme foram coreografadas pelo chinês Huen Chiu Ku, conhecido como Dee Dee, responsável pelos movimentos que seduziram o público mundial em obras como O Tigre e o Dragão e Kill Bill.

Com 160 cópias distribuídas pelas principais capitais brasileiras, Besouro entra em cartaz nesta sexta-feira com ajuda de intensa divulgação na internet – há ações no Facebook, Twitter, Orkut, YouTube – além de site oficial e blog próprio. “Várias comunidades virtuais foram criadas espontaneamente para o filme. Hoje o que acontece não é mais fruto do boca-a-boca, mas do ‘tecla-a-tecla'”, brinca o diretor. Segundo ele, as ações revelaram que os jovens se interessam pela ação – gênero pouco explorado pelo país. Resta saber como o público em geral vai reagir a esta fábula de ação, que por ora assume o posto de produção nacional mais cara do ano: são nada menos de 10 milhões de reais.

João Daniel Tikhomiroff dirige o filme 'Besouro'Alguns atores de Besouro são estreantes, como é o caso do próprio protagonista, Aílton Carmo. Por que o fato de ele ser capoeirista profissional pesou mais do que a experiência dramatúrgica?

O que eu buscava era que nosso protagonista fosse um exímio capoeirista, que dominasse totalmente a arte. Optei por não usar o recurso mais clássico, de escolher um ator experiente que soubesse apenas alguma coisa de capoeira. O treinamento intenso por alguns meses nunca faria com que chegasse perto dos movimentos, da agilidade e da precisão de um capoeirista de verdade. Aílton pratica a luta desde os 6 anos e já é professor com 21 anos. Anderson Santos de Jesus, que interpreta o Quero-quero, também é um grande capoeirista na vida real. O tipo físico dos dois também contou muito na escolha.

Como foi feita a preparação desses atores, ainda inexperientes no cinema?

A Fátima Toledo, responsável pela preparação do elenco, foi uma grande entusiasta do fato de a gente trabalhar com esses “não-atores”, que não tinham qualquer tipo de experiência dramatúrgica anterior. Ela fez com que os capoeiristas conseguissem vivenciar seus respectivos personagens – e não interpretá-los. Isso deu uma naturalidade muito grande a eles. O trabalho de imersão, pesquisa e desenvolvimento pôde ser feito de uma maneira diferente, até mais fácil em alguns momentos, pois eles vieram sem aqueles vícios de interpretação difíceis de serem tirados.

Durante as gravações, você exibiu filmes para mostrar de onde vinham suas inspirações artísticas. Quais foram elas?

Fiz uma seleção de mais ou menos 20 longa-metragens, escolhidos por razões diversas. Alguns por questões estéticas, destinados ao diretor de arte, de fotografia e figurinista; outros por terem personagens com pontos semelhantes aos nossos, que poderiam inspirar os atores; e outros ainda em função das coreografias de ação. Busquei referências de cenas de luta em O Tigre e o Dragão e Kill Bill e de características dramatúrgicas em personagens de Os Indomáveis e Sangue Negro. Neste, por exemplo, o protagonista Daniel Day-Lewis é cruel e maquiavélico, mas ao mesmo tempo possui uma fragilidade física: é franzino e encurvado. Achava perfeito para um vilão terrível, por fugir de características clichês como ser grande e forte. Ele foi interessante como referência para a construção do personagem do coronel Venâncio [interpretado por Flávio Rocha]. Assistindo aos filmes, os atores puderam encontrar pontos para se agarrar e dar mais firmeza aos seus movimentos, na construção de seus próprios personagens.

Cena do filme 'Besouro'Foi difícil para o coreógrafo Dee Dee entender o ritmo e os movimentos da capoeira, tão diferentes das artes marciais?

Como nos propusemos a fazer um filme de ação, gênero ainda pouco explorado no Brasil, precisávamos desse know-how técnico em coordenação de cenas de ação e coreografia. Dee Dee se entusiasmou por se tratar de algo diferente de tudo o que já havia feito, e tivemos uma grande preocupação para que todos os movimentos e golpes fossem de fato da capoeira. Para isso, Dee Dee fez uma grande imersão através de DVDs que enviei, para ele se familiarizar com a capoeira, e de um storyboard que fiz, para ele entender o que eu imaginava para as cenas de ação. A partir disso, ele começou a estudar esse material com sua equipe, de Hong Kong. Quando chegou ao Brasil, não teve muitos problemas, até porque contou com um mestre de capoeira ao seu lado durante um mês de ensaios e preparação do elenco.

O senhor costuma dizer que o filme não é baseado no livro Feijoada no Paraíso, de Marco Carvalho, mas apenas inspirado naquela obra. Em que mais se diferem filme e livro?

Principalmente na trama dramatúrgica. O livro é mais fragmentado: apesar haver uma conexão entre um capítulo e outro, eles funcionam quase como contos. Para o filme, as tramas estabelecidas foram todas recriadas no roteiro, para que as curvas dramáticas fossem mais intensas e pudessem se cruzar de maneira mais emocionante. Também foram criados novos personagens, como foi o caso da Dinorah, que forma um triângulo amoroso com Besouro e Quero-quero no filme. Daí, criou-se um conflito que é dramaturgia pura. Por outro lado, o filme se inspirou no personagem principal do livro, em suas lendas e na relação dele com seu mestre. Por isso, tive o cuidado de comprar os direitos do livro, por uma questão de reconhecimento do que ele representou para o filme.

O senhor conta que trocou os roteiristas do filme. Por quê?

Foi um processo evolutivo. Comecei com o Bráulio Tavares, e por um ano e meio trabalhamos juntos, a quatro mãos. Como eu, o Bráulio também gostou demais do livro que inspirou o filme e se apegou muito a ele. Mas chegou um momento em que eu queria criar outros personagens, fugir um pouco de certas coisas que o livro amarrava. Então, achei que a Patrícia Andrade – que foi roteirista de Dois Filhos de Francisco e Salve Geral – poderia dar uma nova contribuição. Minha estratégia foi não deixar que ela lesse o livro. Patrícia, então, criou vários elementos, desenvolveu outros personagens, mas o ponto de partida foi o tratamento que Bráulio e eu tínhamos começado.

Cartaz do filme 'Besouro'Há um trabalho de divulgação intenso do filme na internet. Quais foram as formas de interação mais interessantes com os internautas?

O que mais me impressionou foi o número de acessos e avaliações. O trailer passou de meio milhão de acessos, seguido de milhares de comentários. Isso mostra que o filme atende a um certo anseio do público. Houve uma identificação muito grande, principalmente dos jovens, que ficaram realmente entusiasmados com o tema e o personagem. A internet permitiu que a gente tivesse conhecimento disso. Várias comunidades virtuais foram criadas espontaneamente para o filme. Hoje o que acontece não é mais fruto do boca-a-boca, mas do “tecla-a-tecla”.

O blog do filme está no ar há mais de um ano. Com qual objetivo foi criado?

Além de ser uma forma de divulgação, o blog começou com a intenção de contar como se faz um filme, destinado a leigos ou mesmo estudantes de cinema. Aproveitamos a complexidade de realização e a originalidade no gênero de Besouro para prestar esse serviço. O blog entrou no ar na etapa final dos ensaios e da preparação de elenco, uma semana antes de começarem as filmagens. Então, o público acompanhou boa parte do processo, como filmagem, edição, trilha e efeitos sonoros. O retorno foi incrível: recebemos vários comentários de jovens que decidiram fazer cinema depois que passaram a acompanhar o blog, ou já cursavam cinema e tiveram certeza de era isso mesmo que queriam. O site ainda fica no ar até o lançamento do DVD, previsto para daqui a seis meses.

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