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Em show de inéditas, Elza Soares transforma ‘boca do lixo’ em arte

Cantora carioca aborda sexo, morte e negritude no álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, lançado, neste fim de semana, em show que flerta com a estética do caos

Por Luís Lima 5 out 2015, 12h16

Pela primeira vez em 60 anos de carreira, a dama do samba brasileiro, Elza Soares, 78, lançou um CD só de canções inéditas, intitulado A Mulher do Fim do Mundo. De tom biográfico e sonoridade experimental, o trabalho aborda temas caros à identidade da cantora, como morte, sexo e negritude. Para divulgá-lo, o núcleo criativo do projeto, composto por músicos paulistanos, levou ao palco do Auditório Ibirapuera, neste fim de semana, um cenário que remetia ao caos. Ao fundo do palco, sacos de lixo formavam um triângulo invertido em que vídeos eram projetados. À frente, Elza aparecia soberana, sentada em um trono em que se desprendiam “tentáculos”, também de sacos de lixo, em direção ao público. A composição lembrava uma instalação artística à la Marina Abromovic, mas trazia, em vez do silêncio da performer, a potência vocal arrebatadora de Elza.

De black power vermelho e vestido preto justo — como de costume — a cantora carioca abriu o show com “Coração do Mar”, versão musicada de poema de Oswald de Andrade. Em seguida, entoou a faixa que dá nome ao CD, na qual o fim do mundo serve de metáfora para a eternidade e a mulher que nela habita. Mais duas faixas do novo disco –O Canal e Luz Vermelha – dão continuidade ao espetáculo, embalado por guitarras distorcidas e efeitos sonoros, numa espécie de samba híbrido, meio rock, meio punk. Sob novo arranjo, em seguida Elza engatou o clássico A Carne, que ganhou um novo refrão: “A carne mais barata do mercado foi [e não ‘é’, no presente] a carne negra”.

A primeira participação especial do show foi a do cantor Rômulo Fróes, que subiu ao palco para cantar Dança, de sua autoria. “Daria a minha vida a quem me desse o tempo. Soprava nesse vento a minha despedida”, diz a canção, em menção à morte. Fróes dá vez ao cantor e guitarrista Rodrigo Campos, já no palco, que canta Firmeza, uma espécie de diálogo informal, repleto de gírias. “Este trabalho nasceu do encontro desse grupo de artistas maravilhosos, como esse meu ‘irmão moleque’ Rodrigo Campos”, disse Elza, em referência à expressão repetida na música.

A atmosfera festiva e descontraída termina com o início da interpretação de Maria da Vila Matilde, que trata da violência doméstica. “Mão cheia de dedos. Dedos cheios de unhas sujas. Para cima de moi, jamé, mané”, protesta. De forte apelo sexual, Pra Fuder dá sequência, provocando o imaginário da plateia com “unhas cravadas em transe latejo” “roupas jogadas no chão” e “pernas abertas”. Segundo Elza, a música foi feita para ela. “Chega até a dar coceira”, brincou, arrancando risos da plateia.

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A segunda – e mais marcante – participação especial foi a do ator e cantor Rubi. Ele adentrou o palco dançando com trejeitos de Ney Matogrosso para cantar Benedita, personagem do submundo de travestis e das drogas. “Ela leva um cartucho na teta. Ela abre a navalha na boca. Ela tem uma dupla caceta”, diz a letra. Depois, com o show se encaminhando para o fim, Elza levou o público às lágrimas ao interpretar Malandro, de Jorge Aragão, com um belíssimo novo arranjo com instrumentos de cordas.

As últimas faixas do CD, Solto e Comigo, também são as canções do fim do show — que antecedem o bis, claro. Em entrevista, Elza chegou a afirmar que Solto poderia ter sido feita para seu ex-marido, o craque Mané Garrincha, e que traz o verso “torto e tão certo”, o qual adora. Já Comigo narra a história de quem perdeu a mãe, mas ainda a tem presente. “Levo minha mãe comigo, embora se tenha ido”, diz a canção. Há dois meses, o contrário aconteceu com Elza: ela perdeu um filho, Gilson Soares, 59, vítima de complicações de uma infecção urinária.

Após o reabrir das cortinas, o show não poderia terminar diferente: em samba. Elza pôs o público de pé ao interpretar Volta por Cima e Pressentimento, sucesso gravado pela primeira vez por ela em 1964, no disco A roda do samba.

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Dentre todas, a música que dá nome ao CD, A Mulher do Fim do Mundo, é, de fato, a que melhor traduz o conceito do projeto. Ela é uma espécie de “canção resistência”, que repete, no fim, o verso: “me deixem cantar até o fim”, potencializado por seus clássicos maneirismos vocais, empregados sob medida. Há anos se apresentado sentada, o recado dado pela cantora é claro: enquanto houver Elza, haverá música. “Este é só o começo. Muita coisa boa vem pela frente. Oxalá permite que se realize”, disse a cantora, ao fim do show. Oxalá, Elza. Oxalá.

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