Nas últimas semanas, Cássia Kis vem figurando constantemente entre os assuntos mais comentados do Twitter por sua defesa voraz do presidente Jair Bolsonaro e de valores ditos conservadores – que, no caso da última polêmica, assumiram um tom francamente homofóbico. Quem a vê convocando católicos para rezar contra a “ameaça comunista” e criticando casais homossexuais por “destruir a família” talvez não se lembre de que, em agosto de 1997, a atriz foi uma das 80 mulheres que deram a cara a tapa na capa histórica de VEJA que trazia uma série de relatos sem filtros sobre aborto. Ela estava entre as celebridades que corajosamente admitiram ter feito a interrupção de uma gravidez – um tema-tabu. Mesmo naquela época, porém, Cássia já dava indícios do falso moralismo apontado por Lúcia Veríssimo após a entrevista da atriz à jornalista Leda Nagle em que ela deu declarações homofóbicas.
Então com 39 anos, Cássia revelou a VEJA que tinha feito um aborto anos antes. Mesmo assim, foi veemente ao dizer que “o aborto, em qualquer circunstância, é um crime”. Em 1990, alguns anos depois de ter realizado um aborto, Cássia Kis interpretava Maria Marruá em Pantanal. Em uma cena antológica, a personagem deu à luz a mocinha Juma. “Fiquei emocionadíssima durante as gravações dessa cena. Logo depois, chorei copiosamente durante quase uma hora. Foi um momento divino. Ali comecei a descobrir o valor da maternidade e da importância de ter um filho”, disse. Numa segunda fase de sua vida, sofreu um aborto espontâneo com três meses de gravidez. “Recebi aquilo como um castigo de Deus”, disse a VEJA na época, reforçando que levaria uma nova gravidez adiante “mesmo que ficasse comprovado algum problema com o bebê”.
Desde então, a atriz se diz arrependida do aborto, e já chegou a declarar que “corre atrás” de mulheres para convencê-las a não abortar. O fato é que, arrependida ou não, Cássia escolheu interromper a gravidez, e hoje se coloca como uma “madrinha” da causa pró-vida, negando a mesma decisão a outras mulheres. Na entrevista a Leda Nagle, chegou a falar até mesmo contra o uso de métodos contraceptivos — um tema até então tido como superado em qualquer país que se julga laico. “Para esses jovens, fazer um aborto, tomar uma pílula do dia seguinte, um anticoncepcional, é muito fácil, porque eles não têm a referência do bebê. Isso é grave”, acusou. Ela também elogiou o novo decreto do governo de Viktor Orbán, da Hungria, que obriga mulheres a ouvir o “batimento cardíaco” do feto antes de se decidirem pelo aborto — medida criticada, inclusive, por médicos.