Há 102 anos, o Rio de Janeiro testemunhava um dos mais inesquecíveis carnavais de todos os tempos. Naquele ano, os carros alegóricos mastodônticos e superproduzidos desfiles das escolas de samba estavam longe de existir, mas a alegria com que as pessoas foram para as ruas jamais se repetiria. O motivo: a cidade finalmente estava superando a gripe espanhola, que matou cerca de 15 mil cariocas na então capital do país.
A gripe espanhola havia chegado ao Brasil no ano anterior e, em meados de outubro de 1918, o Rio de Janeiro não parava de contabilizar as mortes, com corpos espalhados pelas calçadas, e depois recolhidos por caminhões. Como capital federal e ponto turístico do Brasil, o Rio de Janeiro foi uma das cidades do país mais afetadas pela pandemia. Mas, na velocidade com que a gripe chegou, ela foi embora. Em fevereiro de 1919, a cidade começou a vislumbrar alguma normalidade e a proximidade do Carnaval agitou os cariocas. Depois de chorar pelos mortos, tudo o que as pessoas queriam era celebrar a vida.
A alegria nas ruas também foi potencializada pelo fim da I Guerra Mundial. Embora o Brasil não tenha participado do conflito de maneira ostensiva, o fim da guerra na Europa, somado ao fim da pandemia da gripe, renovou as esperanças da população. Não por acaso, a festa foi definida pelo escritor e historiador Ruy Castro, autor do livro O Carnaval da Guerra e da Gripe, como o “Carnaval da Revanche”. Foi em 1919 que surgiram também duas instituições do Carnaval carioca: o bloco Cordão do Bola Preta, que existe até hoje, e o Bloco do Eu Sozinho, formado apenas pelo jornalista Júlio Silva, que não aceitava adesões e tocava sozinho suas marchinhas pelas ruas da cidade, num gesto que se repetiu ininterruptamente pelos 53 anos seguintes.
Embora ainda não existissem as grandes escolas de samba, já aconteciam desfiles carnavalescos na cidade. O tema de muitos deles foi a pandemia no Brasil. Muitas pessoas saíram fantasiadas de dançarinas espanholas. Alguns carros alegóricos faziam referência ao Chá da Meia-Noite, uma bebida que era servida aos pacientes terminais para abreviar o sofrimento, e outros mostravam caveiras.
Aquele Carnaval de 1919 mudou também os costumes, fazendo com que as pessoas deixassem o conservadorismo de lado para liberarem seu lado mais festivo – e libidinoso. Tanta festa e pegação cobrou a fatura nove meses depois: houve um boom de nascimentos nunca antes visto na cidade.
O não-Carnaval de 2021 pode até entrar para a História como o mais esvaziado de todos os tempos. Porém, o carnaval de 2022 vai chegar e, com ele, quem sabe, surja outra festa tão divertida quanto aquela de 1919? A escola Unidos do Viradouro está apostando nisso. O samba-enredo para o próximo Carnaval deverá se chamar Não Há Tristeza que Possa Suportar Tanta Alegria, sob inspiração do Carnaval de 102 anos atrás. “A cidade viveu o carnaval de 19 como se fosse o último. Foi uma grande festa”, diz o texto publicado no site da escola de samba. Já já o próximo Carnaval vai chegar – vamos torcer para que seja também uma grande festa.
- Leia também: Economia do Brasil sofre com gestão da pandemia e encolhe diante do mundo